Não costumo escrever sobre projetos de lei ou de emenda constitucional que ainda não estejam suficientemente maduros no Congresso, porque até a efetiva aprovação costumam sofrer alterações. Contudo, pela maneira apressada como está sendo conduzida a reforma tributária, creio que vale a pena algumas considerações acerca de um aspecto do substitutivo apresentado pelo Deputado Federal Aguinaldo Ribeiro, Relator da PEC 45/2019.
Por que uma reforma tributária?
O clamor que existe por uma reforma tributária é por conta da complexidade do sistema tributário que temos em nosso país, pois, além de gerar insegurança jurídica, o que é péssimo para os negócios dada a falta de previsibilidade, ainda implica em elevados gastos para as empresas cumprirem as inúmeras obrigações acessórias para que estejam em conformidade com a lei. Então, todos queremos uma reforma tributária, mas obviamente sem aumento da já pesada carga tributária que temos.
Um país desigual exige regras customizadas.
Uma das dificuldades de nosso sistema tributário são as muitas peculiaridades e as sempre presentes exceções. Contudo, temos que reconhecer que existe uma razão para isso. Nosso país é enorme, com muitas desigualdades, não apenas sociais, mas também entre as regiões geográficas, o que faz com que a igualdade de fato apenas seja atingida se tratarmos de modo distinto os desiguais, daí uma das razões para tantos detalhes e ajustes.
Não estou afirmando que nosso sistema seja o ideal, mas apenas que não é fácil, quiçá impossível, simplificar e uniformizar regras jurídicas para regulamentar um ambiente complexo.
O problema da alíquota padrão prevista no projeto apresentado pelo Dep. Fed. Aguinaldo Ribeiro
Espelhando-se em modelos utilizados em outros países, a proposta feita pelo Dep. Federal Aguinaldo Ribeiro tenta imitar o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) utilizado em outros países, mas num sistema bipartido, com a criação do CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). O primeiro seria destinado a União e o segundo seria dividido entre Estados e Municípios. O CBS substituiria o IPI, o PIS e a COFINS. Já o IBS surgiria no lugar do ISS e do ICMS. Também haveria o IS (Imposto Seletivo) que teria função de desestimular o consumo de determinados bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Superficialmente, parece tudo certo, mas um dos problemas está na ideia da alíquota padrão, ou seja, uniforme para todos os bens e serviços, salvo algumas poucas exceções para educação, saúde, itens da cesta básica, dispositivos médicos e remédios, transporte público coletivo, produtos rurais in natura, atividades artísticas e culturais, que poderão ter redução (50% ou 100%) na alíquota padrão.
Acontece que existem muitos outros produtos e serviços que são estratégicos para nosso país e simplesmente deixar todos na mesma condição, engessando a possibilidade de o administrador público dosar a melhor alíquota diante do projeto de desenvolvimento local é algo que não se sustenta. Se for aprovado dessa forma, não tenho dúvidas de que logo surgirão propostas para novas exceções.
Enfatizo que o problema está no tabelamento rígido da alíquota padrão. Ora, entre o essencial e o não-essencial existe um grande leque de situações que merecem receber tratamento específico. Da forma como está, para viabilizar a tal alíquota padrão que mantenha a arrecadação atual, os serviços mais consumidos, talvez até mais essenciais, serão penalizados para compensar os menos consumidos, igualando situações que deveriam ser tratadas desigualmente.
E quem tem melhor condição de avaliar em qual grau deve ser a diferenciação de alíquota capaz de preservar a igualdade material? Creio que é quem está próximo (Municípios e Estados) e conhece as necessidades reais. Porém, isso será impossível no formato proposto, pois a alíquota padrão deverá ser igualitária para todos os bens e serviços, salvo as já citadas exceções. Se um Município entender que precisa diminuir a carga tributária para fomentar o desenvolvimento de determinado segmento em seu território, não terá essa liberdade. Se um Estado quiser incentivar determinada atividade industrial que seja estratégica para seu plano de crescimento, estará engessado. A alíquota que escolherem como padrão valerá para todos os bens e serviços.
Esses são alguns dos motivos pelos quais estão acusando, com razão, a proposta de ofender o pacto federativo, pois além de retirar a autonomia dos Estados e dos Municípios de customizar a alíquota do tributo que lhe competirá (IBS), também está previsto que o dinheiro ficará em poder da União, que fará o repasse a esses entes. Não é difícil imaginar os problemas que poderão surgir disso, fora o excessivo acúmulo de poder com a União.
Ainda outro problema no horizonte
Como disse no início, uma reforma no sistema tributário que vise simplificar, ou, nas palavras do Prof. Paulo de Barros Carvalho, racionalizar, é o desejo de todos, porém, sem que isso acarrete aumento na já elevada carga tributária. E um dos problemas que surge com a padronização da alíquota, é que alguns setores sofrerão substancial aumento, especialmente setor de serviços.
Indagado quanto a isso, o representante do Governo, Bernard Appy, rebate que “pobre consome mercadoria”, ou seja, não nega que haverá aumento na tributação de alguns setores.
Na prática, funcionará assim: uma alíquota de referência será fixada por resolução do Senado Federal, podendo os Estados e os Municípios, mediante lei própria, fixarem suas próprias alíquotas, desde que uniforme, salvo as já citadas exceções.
Tem sido divulgado que essa alíquota de referência será ficará entre 25% e 30% o que significará um enorme aumento da tributação de alguns setores. Sem dúvida que isso implicará em aumento dos preços na medida em que for possível transferir esse custo para o consumidor final. Mas há ainda o problema colateral de uma maior evasão fiscal (sonegação) e, também, de planejamentos tributários ousados. Consequentemente, mais fiscalizações, autuações e litígios.
Também podemos considerar que apesar de estar prevista a não cumulatividade plena, a realidade é que a maior despesa dos prestadores de serviços é justamente com mão de obra, que não possibilita a utilização dos créditos.
“Não é bom agir sem refletir; e o que se apressa com seus pés erra o caminho.” (Pv. 19:2)
O Brasil discute há décadas a necessidade da Reforma Tributária. Todos querem. Porém, nunca se chegou a um projeto que de fato avançasse. Agora, o Governo colocou isso como pauta e resolveu impor um novo sistema tributário. Contudo, de modo apressado, não refletido, não discutido, não amadurecido e a consequência já foi alertada no provérbio citado. Assim, haverá muito a ser discutido nos tribunais, gerando o efeito inverso ao pretendido.
Se realmente o projeto que o Governo Federal entende ser o melhor para o desenvolvimento do Brasil é o apresentado pelo Dep. Federal Aguinaldo Ribeiro – que é muito diferente da proposta inicial da PEC 45, essa sim já minimamente debatida – então, deveria ser submetido a exaustivos estudos e análises, com indispensáveis projeções acerca de seus desdobramentos.
Enfim, existem vários outros problemas na proposta em referência e que pretendo abordar em outras oportunidades, porém neste momento quis fazer este alerta quanto a irracionalidade de uma alíquota padrão a incidir sobre serviços e realidades que são díspares e acerca dos problemas em retirar de Estados e Municípios a possibilidade de dosar as alíquotas segundo suas necessidades regionais.