Vizinhos de Fazenda, Mas com Direitos Diferentes: A Renegociação das Dívidas Rurais e as Ilegalidades da Resolução 5.247

17 de outubro de 2025
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Subtítulo: A norma do Conselho Monetário Nacional criou barreiras geográficas que violam os princípios constitucionais da legalidade e da isonomia, deixando milhares de


Recentemente, alertei sobre uma das ilegalidades cometidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) ao editar a Resolução nº 5.247, que regulamenta a Medida Provisória nº 1.314, destinada à renegociação de dívidas rurais.
O alerta repercutiu amplamente na imprensa especializada do agronegócio e, desde então, produtores de várias regiões do país têm relatado prejuízos concretos decorrentes dessa norma.

Em diversas localidades, agricultores vizinhos — sujeitos às mesmas condições climáticas, à mesma seca ou às mesmas tempestades — estão recebendo tratamentos completamente distintos por parte das instituições financeiras, especialmente do Banco do Brasil.
E a razão é puramente burocrática e geográfica: a Resolução nº 5.247 impôs requisitos que não constam da MP nº 1.314, restringindo o acesso ao benefício conforme o município em que se encontra a propriedade rural.


O que diz a norma

Segundo o artigo 1º, §2º, inciso I, alínea “a”, da Resolução nº 5.247, somente terão direito à renegociação os produtores localizados em municípios que tenham decretado estado de calamidade pública ou situação de emergência em pelo menos dois anos entre 2020 e 2024, em decorrência de eventos climáticos, com reconhecimento do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.

A exigências desses decretos não está prevista na Medida Provisória nº 1.314.


O que realmente diz a MP nº 1.314

A própria Medida Provisória define de forma clara e objetiva quem são os beneficiários.
Vejamos o que o texto legal estabelece:

“São beneficiários desta linha de crédito produtores rurais e cooperativas de produção agropecuária, na qualidade de produtor rural, que tenham tido perda em duas ou mais safras no período de 1º de julho de 2020 a 30 de junho de 2025, em decorrência de eventos climáticos adversos.”
(MP nº 1.314/2024, art. 2º, §2º)

Ou seja, as exigências legais se resumem a três pontos:

  • “… tenham tido perda em duas ou mais safras…”
  • “… no período de 1º de julho de 2020 a 30 de junho de 2025…”
  • “… em decorrência de eventos climáticos adversos…”

Não há, em nenhuma parte da MP, qualquer referência a decreto municipal de emergência ou calamidade, tampouco a reconhecimento do MIDR.
Logo, qualquer regulamentação deve caber dentro da moldura normativa desse dispositivo.
Tudo o que extrapola essa moldura — como a exigência criada pela Resolução nº 5.247 — incorre em ilegalidade.

É evidente, portanto, que o CMN, ao regulamentar a MP, extrapolou o poder regulamentar e acabou criando novas condições não estabelecidas em lei, violando frontalmente os princípios constitucionais da legalidade e da isonomia.


A violação aos princípios constitucionais

Se essa restrição estivesse na própria Medida Provisória, o problema se limitaria à desigualdade de tratamento entre produtores em idêntica situação fática.
Mas, ao surgir de um ato infralegal, o vício é duplo: há ofensa tanto à isonomia (art. 5º, caput, da Constituição Federal) quanto à legalidade (art. 37, caput).

O Conselho Monetário Nacional não tem competência para criar obrigações, requisitos ou restrições não previstas na lei.
Como ensinam José Afonso da Silva e Pedro Lenza, a função regulamentar da Administração Pública deve complementar a lei, jamais inovar o ordenamento jurídico.
E foi exatamente o que ocorreu neste caso.


O impacto real no campo

Os efeitos dessa exigência são devastadores.
Apenas 25,39% dos municípios brasileiros foram considerados elegíveis à renegociação, segundo lista divulgada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária.
Isso significa que propriedades rurais em mais de 4.156 municípios ficaram de fora, mesmo tendo sofrido perdas severas por secas, geadas ou tempestades.

Nenhum município de Mato Grosso ou Mato Grosso do Sul atende ao critério imposto pela resolução.
Em Rondônia, apenas 5 dos 52 municípios foram contemplados.
Em Minas Gerais, o caso beira o absurdo: Janaúba está elegível, mas Montes Claros, o maior polo agropecuário do norte do estado, ficou de fora — mesmo tendo enfrentado estiagens prolongadas e sendo apontado pela CNN Brasil como o município mais seco do país em determinados períodos.

A injustiça é evidente: duas fazendas vizinhas, sujeitas à mesma seca ou granizo, podem ser tratadas de forma diametralmente oposta apenas por estarem em municípios diferentes.
O granizo não escolhe fronteira — mas a Resolução 5.247 escolheu.


O que o produtor pode fazer

Diante desse cenário, os produtores rurais prejudicados devem requerer administrativamente a renegociação com base direta na MP nº 1.314, e não na Resolução do CMN.
Caso o pedido seja negado sob o argumento de “inelegibilidade do município”, cabe buscar o Poder Judiciário para restabelecer a legalidade e a isonomia.

Trata-se, em última instância, de uma luta não apenas econômica, mas constitucional e moral, pela preservação dos direitos fundamentais e da segurança jurídica no campo.


Conclusão

A Resolução nº 5.247, ao impor restrições geográficas não previstas na MP nº 1.314, ultrapassou os limites da função regulamentar, criando uma barreira territorial artificial entre produtores brasileiros.
Mesmo com o Ministério da Agricultura e Pecuária tendo publicado nova portaria adicionando alguns municípios do Rio Grande do Sul, a ilegalidade persiste.

Mais do que uma questão técnica, trata-se de um problema de justiça e equidade.
Produtores em igual situação devem ter igual direito à renegociação, independentemente do CEP da fazenda.

Sobre o Autor

Henrique Lima

É advogado com atuação focada no atendimento a produtores rurais, empreendedores, empresas e grupos familiares com problemas jurídicos, especialmente em temas envolvendo direito agrário, contratual, dívidas bancárias, família, sucessões, tributário, direito e responsabilidade civil.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e com cinco pós-graduações (lato sensu). É sócio-fundador do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados que possui unidades em Curitiba-PR, São Paulo-SP e Campo Grande-MS, com mais de 20 anos de existência, mais de 100 colaboradores e com clientes em todos os Estados brasileiros.

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