A permuta de imóveis faz parte do cotidiano das empresas do ramo imobiliário, contudo há anos existe controvérsia com relação à tributação nesses casos, especialmente com relação às empresas que optam pela sistemática do lucro presumido, que estão sujeitas a incidência do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre suas receitas brutas.
A discussão está relacionada a inclusão dos valores dos imóveis recebidos em permuta para fins de incidência desses tributos.
Quando se trata de permuta entre dois imóveis de igual valor, em que não há a figura da “torna”, isto é, de pagamento complementar, a questão está mais tranquila em favor dos contribuintes.
Primeiro porque na esfera administrativa, em janeiro de 2021, no acórdão 9101-005.204, o CARF entendeu que o valor do imóvel dado em permuta, sem torna, não constitui receita da empresa. Vale registrar, contudo, que nesse caso, a votação foi bem apertada e esse entendimento prevaleceu por diferença de apenas um voto. Eis a ementa desse julgado:
PERMUTA DE BENS IMÓVEIS. LUCRO PRESUMIDO. TRIBUTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE LEGAL. CONTRARIEDADE AO CONCEITO DE RECEITA BRUTA IMOBILIÁRIA. DEFORMAÇÃO DE INSTITUTOS DE DIREITO CIVIL. EXPRESSÃO DE NEUTRALIDADE. CONFLITO COM O CONTEÚDO DO ART. 43 DO CTN. A tributação de operações de permuta, SEM TORNA, por meio do regime do Lucro Presumido tem fundamentação primordial no conteúdo fictício da norma que determina a sua base de cálculo, acabando por alcançar indevidamente evento que não expressa qualquer rendimento, provento ou acréscimo patrimonial. O conceito legal de receita bruta imobiliária, veiculado pelo art. 30 da Lei nº 8.981/95, expressamente remete e delimita seu alcance ao negócio de venda, que não se confunde com o instituto da permuta. Permuta e venda são institutos de Direito Civil distintos, ainda que o Legislador de 2002 tenha, tecnicamente, optado por aplainar e coincidir sua regulamentação, exclusivamente no âmbito das relações privadas. A desconsideração da individualidade e da distinção entre tais institutos, por meio de uma equiparação total, para fins de incidência tributária, desrespeita as limitações contidas nos arts. 109 e 110 do CTN. Sendo a legítima permuta um negócio de expressão econômica e patrimonial absolutamente neutra, a determinação da tributação do valor do bem recebido na troca efetuada contraria e colide com o conteúdo do art. 43 do CTN.
E porque, posteriormente, em 08.04.2022, no Despacho PGFN n. 167/2022, a Fazenda Nacional dispensou seus procuradores de contestar e de recorrer nesses casos, porém, ressalvo, apenas quando se tratar de permuta sem torna:
Base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. Empresas do ramo imobiliário que apuram seus tributos pela sistemática do lucro presumido. Contrato de permuta, sem parcela complementar. Resumo: O contrato de troca ou permuta não deve ser equiparado, na esfera tributária, ao contrato de compra e venda, pois não haverá, em regra, auferimento de receita, faturamento ou lucro na troca. O art. 533 do Código Civil apenas ressalta que as disposições legais referentes à compra e venda se aplicam, no que forem compatíveis, com a troca no âmbito civil, definindo suas regras gerais. Como corolário, não havendo comprovação documental em sentido contrário, nem parcela complementar, o valor do imóvel recebido nas operações de permuta com outro imóvel não deve ser considerado receita, faturamento, renda ou lucro para fins do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS apurados pelas empresas optantes pelo lucro presumido.
Por outro lado, quando na negociação surge, além da permuta, também a torna, isto é, o pagamento de parcela complementar, o que, na realidade, é bem comum, pois há pouco interesse das incorporadoras em simplesmente trocar imóveis, sem receber valores em espécie, o caminho mais seguro no aspecto tributário é o Poder Judiciário.
Nesses casos, há vários precedentes favoráveis aos contribuintes, inclusive do Superior Tribunal de Justiça – STJ, quem tem sistematicamente negado provimento aos Recursos Especiais interpostos pela Fazenda Nacional. Vejamos dois exemplos:
01)
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1849366 – RS (2021/0061256-9)
DECISÃO
Trata-se de agravo manejado pela União (Fazenda Nacional) contra decisão que não admitiu recurso especial, este interposto com fundamento no art. 105, III, a, da CF, desafiando acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado (fl. 201):
TRIBUTÁRIO. IRPJ. CSLL. PIS E COFINS. PERMUTA DE IMÓVEIS.
A permuta de bens imóveis de idêntico valor não representa acréscimo patrimonial, não corresponde ao produto da venda de bens nas operações de conta própria e nem é receita a autorizar a incidência do IRPJ/CSL e PIS/COFINS para as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro presumido. Aplica-se o mesmo entendimento em relação à apuração pela sistemática do Regime Especial Tributário do Patrimônio de Afetação previsto na Lei 10.391/2004.
Opostos embargos declaratórios, foram rejeitados (fls. 242/247).
(…) (II) incidência do IRPJ e CSLL sobre as operações de permuta de imóveis feitas por contribuinte que apura o imposto com base no lucro presumido, na medida em que “a permuta de imóveis produz, portanto, os mesmos efeitos da compra e venda, inclusive no que se refere ao ingresso de receitas para as pessoas jurídicas dedicadas às atividades imobiliárias e que apuram o imposto sobre a renda com base no lucro presumido. A realização de permuta de imóveis configura fato que tem como corolário o surgimento de receita, obviamente com inarredáveis reflexos tributários” (fl. 266); (III) “existe, sim, receita tributável, para fins de PIS e Cofins nas operações de permuta de imóveis com ou sem pagamento de torna, realizada por pessoa jurídica que exerça as atividades imobiliárias relativas a loteamento de terrenos, incorporação imobiliária, construção de prédios destinados à venda, bem como à venda de imóveis construídos ou adquiridos para revenda, e que opte pela tributação com base no lucro presumido. A receita tributável corresponde ao montante recebido, isto é, ao valor do imóvel recebido na permuta” (fl. 270).
Parecer do Ministério Público Federal às fls. 335/341, pelo provimento do recurso.
É O RELATÓRIO. SEGUE A FUNDAMENTAÇÃO.
(…)
No mais, quanto à alegação de incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre as operações de permuta de imóveis feitas por contribuinte que apura o imposto com base no lucro presumido, reconheceu o Tribunal a quo à fl. 192:
Sobre a questão, a 2ª Turma, em julgado de minha Relatoria, submetido à sistemática do artigo 942, do CPC (AC 5012248-84.2017.4.04.7107, juntado aos autos em 03/10/2019), decidiu que o valor decorrente do recebimento de imóveis dados como parte do pagamento nas operações de permuta de imóveis não se enquadra no conceito de receita bruta, não havendo justificativa para a inclusão destes valores na base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
DESTA FORMA, SOMENTE A “TORNA” EVENTUALMENTE RECEBIDA NAS OPERAÇÕES DE PERMUTA DEVE SER OFERECIDA À TRIBUTAÇÃO DO IRPJ, NO CASO DAS EMPRESAS OPTANTES PELO LUCRO PRESUMIDO.
Da leitura do excerto transcrito, verifica -se que o Tribunal de origem, ao solucionar a controvérsia dos autos, observou o entendimento do STJ sobre a matéria, no sentido da não incidência de PIS, COFINS, IRPJ e CSSL sobre operações de permuta de imóveis, pois não se aufere lucro ou receita.
A propósito (g.n.):
TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IRPJ E CSLL. PIS E COFINS. ATIVIDADE IMOBILIÁRIA. PERMUTA DE IMÓVEIS. NÃO INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE AUFERIMENTO DE RECEITA, FATURAMENTO OU LUCRO.
1. Esta Corte de Justiça possui o entendimento de que não há incidência de PIS/COFINS e de IRPJ/CSSL sobre operações de permuta de imóveis, ainda que contribuintes sujeitos ao recolhimento tributário no regime do lucro presumido, pois não se aufere, na hipótese, lucro ou receita.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no REsp n. 1.945.182/SC, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 1/4/2022.)
TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. MANDADO DE SEGURANÇA. PERMUTA DE IMÓVEIS. IRPJ. CSLL. PIS. COFINS. INCIDÊNCIA INVIÁVEL. AUSENTE AUFERIMENTO DE RECEITA, FATURAMENTO OU LUCRO NA TROCA. SÚMULA 83/STJ. (…)
Aduz, em suma, que incide “IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre a receita bruta obtida pela recorrida na permuta de unidades a construir pelo terreno no qual veio a erguer o empreendimento”, bem como que permuta imobiliária não pode ser equiparada, no regime do lucro presumido, à compra e venda de imóveis (fls. 1.232-1.245, e-STJ).
3. “Por outro lado, ainda que afastado o óbice, o entendimento deste sodalício se encontra no sentido de que o contrato de troca ou permuta não deverá ser equiparado na esfera tributária ao contrato de compra e venda, pois não haverá auferimento de receita, faturamento ou lucro na troca.” Sobre o assunto, destaca-se o seguinte precedente, in verbis: REsp n. 1.733.560/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/5/2018, DJe 21/11/2018. (STJ, AgInt no REsp 1.796.877/SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 11/12/2019). Incidência da Súmula 83/STJ.
4. Agravo Interno provido para conhecer do Agravo em Recurso Especial e negar provimento ao Recurso Especial.
(AgInt no AREsp n. 1.749.494/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 14/4/2021.)
Ainda, no mesmo sentido, as seguintes decisões monocráticas: AREsp 1.899.280/RS, Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 13/10/2021; REsp 1.952.868/SC, Ministra REGINA HELENA COSTA, DJe 12/08/2021; AREsp 1.837.892/ES, Min. MANOEL ERHARD, DJe 06/08/2021; REsp 1.933.674/CE, Ministro BENEDITO GONÇALVES, DJe 23/06/2021 .
ANTE O EXPOSTO, nego provimento ao agravo. Publique-se.
Brasília, 27 de maio de 2022. Sérgio Kukina Relator (AREsp n. 1.849.366, Ministro Sérgio Kukina, DJe de 01/06/2022.)
02)
RECURSO ESPECIAL Nº 1933945 – RS (2021/0117979-0)
DECISÃO (…)
Trata-se de recurso especial interposto pela Fazenda Nacional, com amparo na alínea “a” do inciso III do art. 105 da CF/1988, contra acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 181):
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IRPJ. CSLL. PIS E COFINS. REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO (RET). PERMUTA DE IMÓVEIS. INEXIGIBILIDADE.
1. O valor decorrente do recebimento de imóveis dados como parte do pagamento nas operações de permuta de imóveis não se enquadra no conceito de receita bruta.
2. Não há justificativa para a inclusão destes valores na base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
3. SOMENTE A TORNA EVENTUALMENTE RECEBIDA NAS OPERAÇÕES DE PERMUTA DEVE SER OFERECIDA À TRIBUTAÇÃO DO IRPJ, PELAS EMPRESAS OPTANTES PELO LUCRO PRESUMIDO.
4. Precedentes desta Corte.
(…)
É o relatório.
Não merece prosperar a tese de contrariedade ao art. 1.022, II, do CPC/2015, porquanto o acórdão combatido fundamentou, claramente, o posicionamento por ele assumido, de modo a prestar a jurisdição que lhe foi postulada.
É o que depreende do excerto do acórdão recorrido à e-STJ fls. 186-187:
Na realidade, na operação de permuta haverá apenas uma substituição de ativos, o que evidentemente de modo algum caracteriza o conceito de receita, na medida em que nem todo o ingresso no patrimônio da pessoa jurídica se amolda a esse conceito. Vale ressaltar que, ao se falar em receita, pressupõe-se o recebimento de dinheiro, de maneira definitiva, em razão da celebração de negócio jurídico.
Contudo, a jurisprudência tem entendido que a previsão do art. 533 não é apta a ensejar a cobrança de tributos sobre a permuta, pois não há lucro por parte da empresa, tendo em vista que apenas ocorre uma “substituição de ativos”. Assim, somente a torna seria passível de tributação, pois nesse caso ocorre ingresso financeiro no patrimônio da pessoa jurídica.
[…] Quanto aos demais tributos, no caso o Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), são igualmente calculados sobre o faturamento da pessoa jurídica de direito privado, compreendendo a receita bruta (art. 2º da Lei n. 9.718/98), de modo que a eles também se aplica o mesmo entendimento. Assim, este Juízo adota o entendimento jurisprudencial e reconhece o direito da impetrante de não recolher o PIS, COFINS, IRPJ e CSLL sobre as operações de permuta entre imóveis, na parte que equivale ao valor do outro imóvel permutado, RESSALVADA A INCIDÊNCIA DA TRIBUTAÇÃO SOBRE A TORNA EVENTUALMENTE RECEBIDA.
O entendimento explanado foi esclarecido nos aclaratórios à e-STJ, fl. 219:
Do exame dos autos, não se encontram presentes quaisquer das hipóteses ensejadoras dos embargos declaratórios, na medida em que a decisão foi devidamente fundamentada, com a apreciação dos pontos relevantes e controvertidos.
Ademais, foram colacionados precedentes recentes deste Tribunal, os quais, em casos análogos, asseveram que o valor decorrente do recebimento de imóveis dados como parte do pagamento nas operações de permuta de imóveis não se enquadra no conceito de receita bruta, não havendo, assim, justificativa para a inclusão destes valores na base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
(…)
Ante o exposto, com fulcro no art. 932, IV, do CPC/2015, c/c o art. 255, § 4º, II, do RISTJ, nego provimento ao recurso especial.
(…)
Publique-se. Intimem-se. Brasília, 09 de junho de 2021. Ministro Og Fernandes – Relator (REsp n. 1.933.945, Ministro Og Fernandes, DJe de 14/06/2021.)
Desse modo, há dois cenários:
- quando há permuta sem torna, isto é, sem que os contratantes façam complementação em dinheiro, há decisão favorável ao contribuinte na esfera administrativa (CARF) e também despacho da PGFN dispensando os procuradores de contestarem e de recorrerem nesses casos, o que traz relativa segurança em favor das incorporadoras e
- quando há permuta com torna, ou seja, com complementação nos valores, então o melhor caminho é buscar proteção judicial, por meio de ação para recuperar valores já pagos indevidamente nos últimos cinco anos e proteger operações futuras.