Será que a recuperação judicial é o melhor caminho para o Produtor Rural endividado?

13 de novembro de 2024
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Que para muitos produtores rurais o cenário econômico não está bom isso não é novidade. Diversos compromissos foram assumidos quando as commodities estavam em alta, agora os preços dos insumos e da produção deram uma bagunçada e as condições climáticas não foram favoráveis em diversos lugares nos últimos anos. Tudo isso contribuiu para a delicada situação financeira que se encontram.

Diante da aproximação do vencimento de contratos formalizados com bancos, cooperativas e fornecedores, e com um fluxo de caixa bastante comprometido não dá para tomar decisões baseados apenas na esperança de que tudo vai melhorar. É preciso agir.

Então, surgem algumas possibilidades. Buscar o caminho da renegociação das dívidas, tentar o alongamento, a revisão judicial dos contratos ou optar por uma recuperação judicial. Todos apresentam desafios e pontos importantes a serem considerados.

Evidente que a renegociação diretamente com o gerente da instituição financeira é o mais fácil e menos traumático, porém tal como um remédio ou um tratamento menos doloroso, pode não ser o mais eficiente e, muitas vezes, seja até ineficaz de restaurar a saúde do paciente, nesse caso, a saúde financeira do produtor rural.

Renegociando as dívidas

Quando o produtor decide renegociar com os bancos e cooperativas, geralmente o contrato não está vencido ou, se venceu, é bem recente. Então, o gerente da instituição financeira tem pouquíssima margem para conceder descontos, prazos ou para melhorar as condições do contratadas. Nessa renegociação não se entrará em discussões jurídicas sobre limitações nas taxas de juros. É apenas uma tentativa de contar com a boa vontade do banco ou da cooperativa.

Porém, o que percebemos é que quase sempre o produtor sai numa condição bem mais gravosa, apesar do alívio momentâneo.

Por exemplo, se tinha uma dívida com juros do Plano Safra de 7% ao ano, na renegociação a instituição impõe 14% (mas já tivemos casos de mais de 25%…) com a justificativa de que utilizará “recursos próprios” e concederá um prazo de no máximo dois anos para pagamento, o que costuma ser insuficiente, porque o produtor ainda terá os compromissos do custeio da próxima safra.

Apesar disso, como é um empreendedor e, por isso, naturalmente um otimista, o produtor rural costuma partir para a renegociação, na expectativa de que os cenários futuros serão favoráveis. Muitos estão nessa situação. Já fizeram a chamada “rolagem da dívida”, encarecendo o custo do dinheiro e diminuindo ainda mais a margem de lucro.

Alongando ou prorrogando as dívidas

Outro caminho é o da prorrogação das dívidas quando a situação se enquadra nos requisitos do Manual do Crédito Rural (MCR). Se conseguir comprovar por meio de laudo (1) que ocorreram situações adversas graves o suficiente para abalar a capacidade de pagamento, (2) que a capacidade de pagamento foi afetada e (3) que, apesar disso, o produtor continua tendo condições de cumprir o contrato, porém com nova agenda de pagamento, então é uma alternativa interessante.

Também é necessário que o produtor tenha feito um pedido administrativo de alongamento, antes do vencimento da dívida. Se não tiver feito isso, pode até tentar na justiça uma decisão favorável, mas é quase unânime nos tribunais a necessidade do prévio requerimento, isto é, antes do vencimento da parcela.

Contudo, convém frisar que o pedido de alongamento não implica em descontos no valor das dívidas, salvo se houver algum acordo com a instituição financeira. Quando acontece de ter abatimento, também não costuma ser de grande relevância. A maior vantagem é mesmo a nova agenda de pagamentos e a manutenção das condições originais do contrato, especialmente com relação a taxa de juros.

Recuperação judicial

A Recuperação Judicial tem outra dinâmica. Nela, apresenta-se detalhadamente ao juiz de direito as causas gerais e específicas que levaram o produtor rural a situação de crise, demonstrando que apesar da impossibilidade de honrar os compromissos assumidos, a atividade do produtor rural continua viável. Então, o juiz considerando esses elementos e ainda o aspecto social envolvido na geração de empregos, arrecadação de tributos e o impacto na região afetada, decidirá se autoriza iniciar o processo de recuperação judicial, ou, em palavras mais técnicas, deferirá ou não o processamento da recuperação judicial.

Sendo autorizado o início do processo de recuperação judicial, automaticamente se suspendem por 180 dias, podendo se estender para até um ano, todas as dívidas, processos e execuções em andamento contra o produtor. Isso costuma ser um grande alívio ao produtor. Nesse prazo, também chamado de stay period, ele continuará com sua produção e poderá fortalecer seu caixa para conseguir uma composição com os credores para aprovar um plano para o pagamento de suas dívidas.

Talvez passe a impressão de que são caminhos semelhantes porque em algum momento é necessário compor com os credores a forma de cumprimento das obrigações (deságios, carência e prazos), entretanto, essa é uma falsa impressão, porque na recuperação judicial o Produtor Rural tem em seu favor ferramentas jurídicas bastante eficientes, inclusive podendo o juiz homologar o plano de recuperação em determinadas situações, mesmo que não tenha ocorrido a aprovação dos credores (cram down).

Vale lembrar que quando o produtor rural entra com o pedido de recuperação judicial, as instituições financeiras já fazem uma reclassificação do contrato e depois de pouco tempo, normalmente 01 ano, conseguem benefícios tributários ao lançarem o crédito como prejuízo, e isso facilita muito as negociações, abrindo margens para descontos consideráveis, que em alguns casos podem ser superior a 80%, além de carência para iniciar os pagamentos, que normalmente são parcelados  e até dez anos, a depender do caso.

Outros aspectos da recuperação judicial

Deixando de lado as questões mais técnicas da Recuperação Judicial, quero frisar também o lado emocional que costuma ser bastante relevante nessa tomada de decisão.

É necessário abandonar o preconceito que algumas pessoas têm do processo de Recuperação Judicial.

Quem busca esse caminho não é um mau pagador, “caloteiro” ou alguém que pretende fugir de suas obrigações. É justamente o contrário! É buscar todos os meios possíveis para honrar seus compromissos e ainda manter os empregos e ajudar na economia local. O próprio nome já diz: “Recuperação”.

Talvez o estigma com a recuperação judicial venha por conta da antiga lei de falências e concordatas, pois em nada ajudava o empresário que estava com dificuldades e tinha um viés muito mais favorável aos credores. Na recuperação judicial o foco é justamente recuperar o empreendimento, mantendo a atividade produtiva, principalmente levando-se em consideração os efeitos colaterais nos empregos, arrecadação de impostos e na própria economia local.

Além do mais, o próprio mercado, especialmente as instituições financeiras, consegue distinguir os bons e os maus devedores.

Os bons devedores são aqueles que se encontram em dificuldades, mas que não agiram com dolo ou má fé. Talvez tenham pecado no excesso de otimismo ou falharam na organização administrativa ou financeira de seu negócio. Mas nunca houve a intenção de prejudicar os credores. Para esses, apesar da frustração inicial com o pedido de recuperação judicial, se agir de maneira leal com todos, o mercado não se fecha de modo definitivo.

Por outro lado, os maus são os que agem de má-fé e se preparam para ganhar dinheiro com a situação, muitas vezes buscando financiamentos e captando recursos até a véspera de ingressar com o pedido de recuperação judicial. Esses são os que o mercado financeiro abomina.

Outra preocupação é com relação as chances de êxito na recuperação judicial, ou seja, quanto o produtor rural vai conseguir salvar de seu patrimônio. Isso é bastante relativo e alguns fatores influenciam fortemente:

– qual o nível do endividamento. Nesse caso, quanto mais o produtor rural demorar para tomar a decisão de entrar com a recuperação judicial, pior, pois as dívidas poderão ter alcançado patamares que inviabilizam qualquer plano);

– qual a quantidade de credores. Ao contrário do que pode parecer, quanto maior a pluralidade de credores, melhor porque facilita nas negociações, não ficando na dependência de apenas ou outro grande credor;

– quais os tipos de garantias fornecidas: aval, hipoteca, penhor, alienação fiduciária? Qual a proporção de cada uma? Verificar quais delas são sujeitas à recuperação judicial;

– possui ativos não essenciais que podem ser vendidos sem afetar demasiadamente o fluxo de caixa e a capacidade de pagamento do plano de pagamento proposto?

– quem são os principais credores: bancos, cooperativas, fornecedores de insumos, empregados, fisco? Qual a relação com cada um deles?

– quais as perspectivas futuras para o negócio e para a geração de caixa?

Basicamente, deve ser considerada (1) a composição das dívidas, (2) a capacidade de geração de caixa e (3) a perspectiva futura para o negócio.

Quem opta por enfrentar um processo de recuperação judicial é certo que tem a intenção de conclui-lo com sucesso e, por isso, precisa fazer essa cuidadosa análise.

Também quero esclarecer algo que apesar de ser bem básico, é uma dúvida comum entre os clientes. Quando ingressa com o pedido de recuperação judicial o produtor rural não perderá a gestão de seu negócio. A figura do Administrador Judicial que é nomeado pelo juiz não entrará na empresa para fazer a gestão dela. Ele fará um acompanhamento à distância e a partir dos relatórios que serão fornecidos pelo próprio produtor.

Claro que pode ser necessária uma vistoria para averiguar algo, porém, será pontual e geralmente nem é necessária. Mas, ao invés de ver isso como algo ruim, precisa ser encarado como algo salutar, pois forçará o produtor a se organizar administrativa e contabilmente, pois precisará gerar uma série de relatórios. Como pontuei acima, talvez até a falta de uma gestão mais aprimorada tenha sido relevante no desequilíbrio financeiro que se encontra.

Conclusão

Quando o produtor rural se encontra em graves dificuldades financeiras, precisa ter muita cautela ao escolher o caminho que percorrerá. Porém, não pode procrastinar na tomada de decisões difíceis, porque a inércia pode ser fatal.

Se já vem de uma série de renegociações que, apesar do alívio temporário, só agravaram mais a situação, talvez essa mais a melhor opção.

Renegociar, depende da boa vontade do credor.

Alongar ou prorrogar as dívidas, não as diminui, apenas aumenta os prazos e precisam ser cumpridos alguns requisitos, não se aplicando para todo tipo de contrato.

Revisar judicialmente dos contratos, apesar de bastante interessante, pode não ser o suficiente dependendo da gravidade em que se encontra.

Se o endividamento estiver grave e o fluxo de caixa estiver muito apertado, o caminho da Recuperação Judicial pode ser o mais indicado, considerando que conseguirá a suspensão das dívidas, descontos, carência e prazos para pagamento.

Enfim, é uma decisão difícil e nem sempre apenas racional, pois existe o lado emocional relacionado ao receio de prejudicar o nome na região. Apesar disso, como frisei acima, o mercado consegue diferenciar o produtor honesto, leal e de boa fé que está atravessando um momento de dificuldade, daquele outro que agiu dolosamente para prejudicar credores.

Espero ter contribuído com informações e considerações úteis para auxiliar os produtores rurais no complexo momento de tomar a decisão entre optar por um processo de Recuperação Judicial ou dos demais mecanismos possíveis.

Sobre o Autor

Henrique Lima

  • Henrique Lima é advogado com atuação focada no atendimento a problemas jurídicos envolvendo divórcios, inventários, direito agrário, contratual, dívidas bancárias, tributário e responsabilidade civil.
  • Sócio-fundador da Lima & Pegolo Advogados Associados S/S.
  • Mestre em direito e pós graduado (lato sensu) em direito civil, constitucional, família e sucessões, consumidor e trabalhista. Autor e co-autor de livros jurídicos e também de desenvolvimento pessoal.
  • Membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.
  • Membro da Comissão de Direito do Agronegócio do Conselho Federal da OAB.
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