Produtor Rural pode pedir Recuperação Judicial mesmo sem ter empresa formal?

1 de setembro de 2025
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Quando se fala em recuperação judicial, é comum associar o tema ao direito empresarial e a grandes companhias estruturadas. Isso leva muitos a concluírem, de forma equivocada, que apenas o produtor rural “com CNPJ” poderia utilizar esse importante instrumento jurídico — essencial para salvar negócios e preservar famílias.

A realidade, porém, evoluiu bastante nos últimos anos: hoje é possível ao produtor rural que trabalhou apenas na pessoa física, isto é, em seu próprio CPF, pedir recuperação judicial. Basta que comprove a atividade rurícola há mais de dois anos e faça a inscrição na Junta Comercial, o que automaticamente gerará um CNPJ vinculado. Em outras palavras, o que importa é o tempo de atividade rural e não o tempo de registro.

Um ponto que merece destaque é o mito de que a recuperação judicial seria apenas para dívidas milionárias. A verdade é que a lei não impõe limite de valores. O que importa é avaliar se esse procedimento faz sentido e se há viabilidade econômica para o reequilíbrio financeiro do produtor.

A evolução legislativa e jurisprudencial

A redação original da Lei 11.101/2005 não era clara sobre a possibilidade de o produtor rural pessoa física recorrer à recuperação judicial, o que abriu espaço para debates.

O caso mais emblemático foi o dos produtores José Pupin e Vera Lúcia Camargo Pupin. Eles se inscreveram na Junta Comercial e, logo em seguida, entraram com pedido de recuperação judicial. A grande discussão era: seria necessário estar registrado há pelo menos dois anos ou bastaria comprovar a atividade rural por esse período, ainda que como pessoa física?

A tese vencedora reconheceu que o registro tem natureza facultativa e declaratória. Ou seja, é possível comprovar o exercício da atividade rural mesmo sem a formalização na Junta Comercial. Esse entendimento foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema Repetitivo nº 1.145:

“Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro.”

O que diz o Código Civil

O Código Civil também respalda essa interpretação:

  • Art. 966: considera empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada, sem exigir registro.
  • Art. 970: assegura tratamento favorecido e simplificado ao produtor rural e ao pequeno empresário, inclusive quanto à inscrição e seus efeitos.

A consolidação com a Lei 14.112/2020

Com a reforma trazida pela Lei 14.112/2020, ficou expresso na Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005), que o produtor rural pode requerer recuperação judicial desde que esteja inscrito na Junta Comercial, independentemente do tempo do registro, podendo comprovar a atividade por pelo menos dois anos como pessoa física.

Conclusão

Portanto, o produtor rural que tenha operado por pelo menos dois anos, ainda que sem empresa formal, pode se valer da recuperação judicial. Basta comprovar o exercício da atividade rural na pessoa física e realizar a inscrição na Junta Comercial antes de ingressar com o pedido.

Trata-se de um mecanismo jurídico poderoso de reequilíbrio financeiro, que oferece fôlego para quem vive do campo reorganizar dívidas e seguir produzindo.

Sobre o Autor

Henrique Lima

É advogado com atuação focada no atendimento a produtores rurais, empreendedores, empresas e grupos familiares com problemas jurídicos, especialmente em temas envolvendo direito agrário, contratual, dívidas bancárias, família, sucessões, tributário, direito e responsabilidade civil.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e com cinco pós-graduações (lato sensu). É sócio-fundador do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados que possui unidades em Curitiba-PR, São Paulo-SP e Campo Grande-MS, com mais de 20 anos de existência, mais de 100 colaboradores e com clientes em todos os Estados brasileiros.

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