O direito à prestação de contas após busca e apreensão de maquinários agrícolas

15 de agosto de 2025
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Imagine a situação: você é um produtor rural e não consegue pagar as parcelas do financiamento de seus maquinários (plantadeira, plataforma, colheitadeira, trator etc.) por causa de severa dificuldade financeira ocasionada por uma sequência de condições climáticas adversas. Na época, o contrato foi feito com garantia em alienação fiduciária. Assim, o banco rapidamente consolida extrajudicialmente a propriedade desses maquinários e pede ao juiz a consequente busca e apreensão. Na posse e propriedade dos bens, o banco os vende, porém não informa por quanto foram vendidos nem quais despesas teve. Faz de conta que nada aconteceu e continua cobrando a dívida no valor integral. Dessa forma, você não sabe se realmente ainda está devedor, quanto seria a dívida ou se, eventualmente, teria crédito para receber.

Não pense que é uma situação irreal ou rara. Pelo contrário: acontece com frequência e acaba deixando muitos produtores rurais, empresários urbanos e até pessoas físicas em situação bastante complicada, muitas vezes com prejuízo aos seus empreendimentos.

Antes de adentrarmos nas possíveis soluções, vamos trazer alguns esclarecimentos.

A alienação fiduciária é uma modalidade de garantia em que a propriedade — ou, como diz a lei, o domínio resolúvel — e a posse indireta da coisa móvel passam ao credor. Se o devedor não pagar qualquer das parcelas, a dívida poderá ser considerada integralmente vencida (vencimento antecipado das parcelas), e ele será notificado pelo Cartório de Registro de Títulos e Documentos para purgar a mora, isto é, pagar a dívida. Não sendo paga, a propriedade se consolida em nome do credor fiduciário.

Em outras palavras, trata-se de uma modalidade de garantia em que o bem dado em garantia fica em nome do credor. Se o devedor quitar o contrato, torna-se o proprietário exclusivo do bem. Se não pagar, o credor rapidamente se consolidará como legítimo proprietário e poderá pedir judicialmente a busca e apreensão.

Como costumo alertar: é uma das mais perigosas modalidades de garantia.

Afirmo isso especialmente por causa da celeridade extrajudicial e do fato de que, para configurar a mora do devedor, basta o envio de notificação ao endereço que consta no contrato, sem necessidade de comprovar que o devedor ou qualquer outra pessoa a recebeu — ou seja, basta enviar a notificação ao endereço constante do contrato, não importando se foi ou não recebida. E, pior ainda, o STJ uniformizou jurisprudência no sentido de que também é válida a notificação enviada no endereço eletrônico (e-mail…) indicado no contrato, com confirmação de recebimento, independente de quem tenha recebido.

Quando se trata de bem imóvel (casa, apartamento, áreas rurais), aplica-se a Lei nº 9.514/1997.
Se for bem móvel (maquinários agrícolas, automóveis etc.), a disciplina está no Decreto-Lei nº 911, de 1969.

O que interessa para o tema deste texto é o artigo 2º desse decreto-lei:

Art. 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)

A redação é clara e não deixa margem a dúvidas: o credor fiduciário que apreendeu o bem e o vendeu precisa fazer a prestação de contas.

Para ser mais incisivo: não cabe ao devedor provar que houve a venda, o valor etc.; essa é uma obrigação do credor fiduciário.

E o que seria essa prestação de contas? Basicamente, uma planilha descrevendo, de um lado, o valor integral da dívida segundo os parâmetros contratuais e todas as demais despesas (emolumentos, tributos, despesas postais, despesas com remoção da coisa etc.); de outro, o valor arrecadado com a venda do bem apreendido; e, por fim, o saldo com o débito atualizado ou, eventualmente, o crédito do devedor fiduciário. Tudo isso acompanhado das respectivas comprovações documentais.

Parece algo simples e óbvio, mas, na prática, há muito abuso por parte de credores que deixam de prestar contas ou, quando o fazem, apresentam informações de maneira obscura e sem os documentos comprobatórios.


Qual seria o caminho para o devedor nessa situação?

O ideal é que, primeiramente, faça uma notificação extrajudicial ao credor fiduciário, solicitando a adequada prestação de contas (informações e documentos comprobatórios).

Se, em prazo razoável, o credor nada fizer, a solução é ingressar com ação judicial prevista no artigo 550 do Código de Processo Civil, denominada Ação de Exigir Contas:

“Aquele que afirmar ser titular de direito de exigir contas requererá a citação do réu para que as preste ou ofereça contestação no prazo de 15 (quinze) dias.”

A jurisprudência pacífica entende que não é possível pedir a prestação de contas na própria ação de busca e apreensão — é preciso propor essa nova ação.

Funciona assim: o réu será citado para, em 15 dias, prestar contas ou contestar, alegando, por exemplo, que não tem obrigação de fazê-lo. Se contestar, o juiz decidirá se ele deve ou não prestar contas. Se entender que sim, o réu será condenado a fazê-lo no prazo de outros 15 dias. Se não o fizer, o autor apresentará sua própria prestação de contas, e o réu não poderá impugnar os valores apresentados.

Exemplo: foi apreendido um caminhão dado em alienação fiduciária. Se o credor vender o bem e não prestar contas, o devedor poderá seguir o caminho indicado acima. Se, mesmo assim, a prestação de contas não acontecer, o devedor (agora autor) poderá apresentar suas contas informando, por exemplo, que a venda ocorreu pelo valor da Tabela Fipe — e o credor não poderá questionar.


E se o crédito for cedido a outra empresa?

Uma situação recorrente é quando o credor fiduciário cede (vende) o crédito para outra pessoa, muitas vezes uma “securitizadora”. Nesses casos, a obrigação de prestar contas é da nova credora, mesmo que ela não tenha participado inicialmente da relação contratual.


Saldo devedor após a venda

Se, mesmo com a venda do bem apreendido, a dívida persistir, o credor poderá ingressar com ação monitória para cobrar o saldo devedor, não sendo possível ação de execução por não se tratar de título líquido — conforme a Súmula 384 do STJ.


Espero ter trazido informações úteis para aqueles que sofrem com abusos semelhantes, praticados não apenas por bancos, mas também por cooperativas, revendas, indústrias, entre outros. Com informação, é possível ser mais estratégico.

Sobre o Autor

Henrique Lima

  • Henrique Lima é advogado com atuação focada no atendimento a problemas jurídicos envolvendo divórcios, inventários, direito agrário, contratual, dívidas bancárias, tributário e responsabilidade civil.
  • Sócio-fundador da Lima & Pegolo Advogados Associados S/S.
  • Mestre em direito e pós graduado (lato sensu) em direito civil, constitucional, família e sucessões, consumidor e trabalhista. Autor e co-autor de livros jurídicos e também de desenvolvimento pessoal.
  • Membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.
  • Membro da Comissão de Direito do Agronegócio do Conselho Federal da OAB.
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