Devo apenas para Bancos: posso pedir Recuperação Judicial?

11 de dezembro de 2025
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A dúvida é recorrente entre produtores rurais e empresários que atravessam momentos de dificuldade: é possível pedir recuperação judicial quando quase todas as dívidas são bancárias?
A resposta exige cautela e estratégia.

1. O que a lei diz?

A Lei nº 11.101/2005 não impede que um devedor peça recuperação judicial mesmo quando seus únicos credores são instituições financeiras. Não há, no texto legal, qualquer restrição que condicione o pedido à diversidade de classes ou à existência de fornecedores, trabalhadores ou outros credores.

Portanto, juridicamente é possível ingressar com Recuperação Judicial (RJ) mesmo devendo essencialmente a bancos.

2. O problema não é jurídico. É estratégico.

Embora a lei permita, a prática revela enorme dificuldade de aprovação do plano quando a totalidade dos votos está nas mãos dos bancos. Isso ocorre porque:

  • Bancos, em regra, rejeitam planos que alongam prazos, reduzem juros ou alteram garantias;
  • Se todos os votos pertencem a instituições financeiras, a chance de reprovação é altíssima;
  • A depender da configuração das garantias, eles podem inviabilizar qualquer negociação em assembleia.

Em alguns casos específicos, quando a falência significaria recuperação mínima ou nula de crédito para os bancos, a resistência pode diminuir. Mas são exceções.

3. A importância de mapear todos os credores

É comum o empresário focar apenas nos grandes contratos bancários e esquecer que, na RJ, todos os credores sujeitos devem ser listados: fornecedores, prestadores de serviços, trabalhadores, arrendadores, proprietários de máquinas, parceiros agrícolas etc.

Esse levantamento é decisivo porque a formação das classes de credores influencia diretamente na aprovação do plano.

A Lei 11.101/2005 estabelece quatro classes (art. 41):

  1. Trabalhistas e acidentários (Classe I);
  2. Detentores de garantia real (Classe II);
  3. Quirografários, com privilégios geral ou especial, incluindo bancos sem garantia real (Classe III);
  4. Microempresas e empresas de pequeno porte (Classe IV).

Se os bancos não possuem garantia real, situam-se como quirografários. Se forem os únicos integrantes da classe, não haverá votos divergentes dentro dela, o que impede, em muitos casos, o uso adequado do cram down.

4. O risco real: ficar impedido de aprovar o plano pelo cram down

O cram down (art. 58, §1º, da Lei 11.101/2005) permite que o juiz homologue o plano mesmo sem aprovação de todas as classes, desde que cumpridos requisitos mínimos, entre eles:

  • Aprovação em pelo menos uma classe (quando houver mais de duas);
  • Alcance de determinados quóruns dentro da classe que rejeitou o plano.

Se existir apenas a classe dos bancos e ela rejeitar o plano, não há outra classe para cumprir o requisito legal, o que inviabiliza a homologação judicial forçada.

É verdade que parte da jurisprudência admite alguma flexibilização, mas há limites claros, e contar com isso desde o início é extremamente arriscado.

5. O cenário real mais comum

Na prática, a situação não costuma ser de dívidas exclusivamente bancárias, mas sim de dívidas majoritariamente bancárias, que chamam mais a atenção pelo alto impacto financeiro e pelos juros que se acumulam de forma agressiva.

Quando existem outros credores, ainda que menores, a dinâmica processual muda completamente, abrindo espaço para:

  • formação de mais de uma classe;
  • aprovação do plano por outras categorias;
  • utilização eficaz do cram down;
  • reestruturação ampla e realista da operação.

Nesses casos, o fato de os bancos votarem contra não impede o sucesso da recuperação.

6. Conclusão: é possível, mas depende do caso

Sim, é possível pedir recuperação judicial mesmo quando a maior parte das dívidas está concentrada em bancos. Contudo:

  • A análise estratégica da estrutura de credores é indispensável;
  • Apenas dívidas bancárias tornam a aprovação do plano muito difícil;
  • A existência de outras classes fortalece o devedor e viabiliza o cram down;
  • A decisão final não é dos bancos, mas do Poder Judiciário, que considera a manutenção de empregos, a continuidade da atividade produtiva, o recolhimento de tributos e o impacto socioeconômico.

A recuperação judicial é mais do que um instrumento jurídico: é uma estratégia de preservação da empresa e da sua função social. Por isso, cada caso deve ser submetido a uma análise técnica criteriosa antes da tomada de decisão.

Sobre o Autor

Henrique Lima

É advogado com atuação focada no atendimento a produtores rurais, empreendedores, empresas e grupos familiares com problemas jurídicos, especialmente em temas envolvendo direito agrário, contratual, dívidas bancárias, família, sucessões, tributário, direito e responsabilidade civil.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e com cinco pós-graduações (lato sensu). É sócio-fundador do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados que possui unidades em Curitiba-PR, São Paulo-SP e Campo Grande-MS, com mais de 20 anos de existência, mais de 100 colaboradores e com clientes em todos os Estados brasileiros.

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