A Lei nº 14.711, de 30/10/2023 — conhecida como Marco Legal das Garantias ou simplesmente Lei das Garantias — trouxe importantes mudanças no tratamento jurídico da hipoteca, que devem ser conhecidas por todos, especialmente pelos produtores rurais.
Como já mencionei em outra oportunidade, uma das principais críticas à Lei das Garantias é que ela foi elaborada sob medida para atender aos interesses de bancos e instituições financeiras, deixando o devedor em situação de acentuada desvantagem.
Execução Extrajudicial
Muitos ainda acreditam que a hipoteca é uma forma de garantia menos severa que a alienação fiduciária. Contudo, para créditos em geral (urbanos, pessoais, industriais etc.), após as alterações promovidas pela Lei das Garantias, isso deixou de ser verdade. Agora, o credor pode executar a hipoteca da mesma forma que a alienação fiduciária: extrajudicialmente.
Historicamente, embora garantisse excelente segurança ao credor, a hipoteca oferecia ao devedor a proteção de só poder ser executada judicialmente (salvo nos casos do SFH), num processo que costumava se arrastar por anos, permitindo tempo para reorganização financeira e eventual acordo. Hoje, essa proteção não existe mais para a maioria dos contratos.
O artigo 9º da nova lei, em seus quinze parágrafos, regulamenta a “Execução Extrajudicial dos Créditos Garantidos por Hipoteca”, prevendo um procedimento administrativo equivalente ao da alienação fiduciária: prazo de 15 dias para purgar a mora (isto é, quitar a dívida total, conforme entendimento predominante), dois leilões etc. Assim, basta atrasar uma parcela para que o credor possa executar a garantia sem recorrer ao Judiciário, tomando o bem em poucos meses.
O Agronegócio Está a Salvo — Pelo Menos Por Enquanto
A boa notícia para os produtores rurais é que esse procedimento não se aplica às operações de financiamento da atividade agropecuária, conforme o §13 do art. 9º do Marco Legal das Garantias.
Por isso, sempre que possível, é recomendável negociar para que a garantia dos financiamentos rurais seja hipotecária, e não por alienação fiduciária. Embora muitas vezes haja imposição por parte do credor, vale tentar.
Revendas e Tradings Não Podem Executar Extrajudicialmente Hipotecas
Surge, porém, a dúvida: o alcance do §13 do art. 9º limita-se às operações feitas com integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) ou abrange também as realizadas com revendas, fornecedores de maquinários e outros?
O dispositivo legal é claro:
Art. 9º, §13 – A execução extrajudicial prevista no caput deste artigo não se aplica às operações de financiamento da atividade agropecuária.
Perceba que não há distinção quanto ao tipo de credor — a ressalva se refere apenas à finalidade da operação.
O financiamento da atividade agrícola não é exclusividade das empresas integrantes do SNCR e pode ser classificado em três grupos:
- Financiamento público – os conhecidos Planos Safra, com crédito rural oficial (custeio, investimento e comercialização), regido pelo Manual de Crédito Rural (MCR) e operacionalizado por bancos e cooperativas do SNCR.
- Financiamento bancário privado – operações de crédito rural realizadas por bancos e cooperativas do SNCR com recursos próprios. Sujeitam-se ao MCR se formalizadas por CCR ou CCB com destinação rural, mas podem ser representadas por CPR, LCA, CRA e CDCA, fora do MCR.
- Financiamento comercial – operações com revendas, cooperativas agropecuárias, tradings, cerealistas, exportadoras, agroindústrias e fornecedores de insumos, com recursos próprios dessas empresas, sem submissão ao MCR.
Assim, por exemplo, uma operação de barter garantida por hipoteca entre um produtor e uma revenda é um financiamento da atividade agropecuária. Em caso de inadimplência, a hipoteca deverá ser executada judicialmente.
Conclusão
Essas mudanças tornam ainda mais relevante para o produtor rural conhecer as modalidades de garantia e, na medida do possível, negociar a forma mais favorável. Embora a alienação fiduciária seja preferida pelos credores — por ficar fora de eventual recuperação judicial e permitir execução extrajudicial até em operações rurais —, a hipoteca, nas condições previstas em lei, ainda pode ser uma proteção importante.