Contrato para comercialização pode ser prorrogado com base no MCR – Manual do Crédito Rural?

9 de julho de 2025
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O contrato para comercialização é relevante no Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), representando cerca de 10% (em média) das destinações do crédito rural (conforme Anuários Estatísticos do IBGE).

Tal contrato está previsto nas normas do crédito rural, tanto na Lei do Crédito Rural (Lei 4.829/65) como também no MCR – Manual de Crédito Rural do Banco Central, vejamos:

Na Lei do Crédito Rural, no artigo 9º, está expresso o financiamento rural para fins de “comercialização”:

Lei 4.829/65 – Artigo 9º Para efeitos desta Lei, os financiamentos rurais caracterizam-se, segundo a finalidade, como de:
I – custeio, quando destinados a cobrir despesas normais de um ou mais períodos de produção agrícola ou pecuária;
II – investimento, quando se destinem a inversões em bens e serviços cujos desfrutes se realizem no curso de vários períodos;
III – comercialização, quando destinados, isoladamente, ou como extensão do custeio, a cobrir despesas próprias da fase sucessiva à coleta da produção, sua estocagem, transporte ou à monetização de títulos oriundos da venda pelos produtores.

Ou seja, a própria lei de regência prevê o contrato de crédito para comercialização como uma das modalidades do financiamento rural, tão necessário para garantir um mínimo de condições para os produtores rurais fazerem sua parte nesse importante setor da economia, da qual depende, inclusive, a segurança alimentar de nosso povo.

Para que não hajam dúvidas de que o “crédito de comercialização” faz parte do pool de linhas de financiamento rural, destaco que também está expressamente previsto no Manual do Crédito Rural, no capítulo 3, seção 4, item 1, que  “o crédito de comercialização tem o objetivo de viabilizar ao produtor rural ou às suas cooperativas agropecuárias os recursos necessários à comercialização de seus produtos no mercado”.

E na alínea “a” do famoso item 2.6.4 do MCR, está prevista a dificuldade de comercialização como uma das hipóteses que justificam a prorrogação da dívida.

4 – Fica a instituição financeira autorizada a prorrogar a dívida, aos mesmos encargos financeiros pactuados no instrumento de crédito, desde que o mutuário comprove a dificuldade temporária para reembolso do crédito em razão de uma ou mais entre as situações abaixo, e que a instituição financeira ateste a necessidade de prorrogação e demonstre a capacidade de pagamento do mutuário:
a) dificuldade de comercialização dos produtos;
b) frustração de safras, por fatores adversos;
c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.

Observe que a norma não restringiu o alcance da expressão “dificuldade de comercialização”. Logo, independente de qual seja o motivo será possível a prorrogação.

Para afastar qualquer dúvida de que os contratos de crédito de comercialização permitem a prorrogação, o próprio MCR, no item seguinte, delimitou em quais casos não se aplicam o direito à prorrogação:

5 – O disposto no item 4:
(…)
b) não é aplicável:
I – aos créditos de comercialização sujeitos a normas próprias aplicáveis à Política de Garantia de Preços Mínimo (PGPM);

A conclusão lógica é a seguinte: o crédito rural concedido com lastro num contrato de comercialização é passível de prorrogação com base nas regras do MCR, em caso de dificuldade de comercialização do produto, com exceção dos contratos sujeitos a normas próprias do PGPM.

Com base na Lei 8.427/92 e em normas infralegais (Decretos, portarias, regulamentos da CONAB), os créditos de comercialização sujeitos à PGPM são os seguintes:

– AGF – Aquisição do Governo Federal;

– PEP – Prêmio Equalizador Pago ao Produtor;

– PROP – Prêmio para Escoamento de Produto;

– EGF – Empréstimo do Governo Federal e

– COV – Contrato de Opção de Venda.

Então, se o contrato de comercialização não estiver vinculado ao PGPM, por meio desses programas federais, poderá ser prorrogado, com fundamento no MCR.

Em outras palavras, é possível a prorrogação com base no MCR se o crédito de comercialização tiver sido concedido com recursos controlados (com juros equalizados, vinculados ao plano safra), com recursos obrigatórios (que os bancos são obrigados a aplicar em crédito rural) ou com recursos livres (capital dos próprios bancos).

Os créditos de comercialização que não são passíveis de prorrogação pelo MCR são aqueles concedidos PGPM, que possui regras próprias, cujos recursos são provenientes diretamente do orçamento da União e executados geralmente pela CONAB, ou seja, fora do SNCR – Sistema Nacional de Crédito Rural, e do MCR.

E é assim, porque um recurso não pode ser ao mesmo tempo vinculado ao Plano Safra (subsidiados, obrigatórios e livres) e ao PGPM, pois possuem regras e fontes distintas.

Acredito que isso tenha ficado claro. Agora vamos voltar ao MCR, no item 2.6.4, e tratar das situações em que um crédito de comercialização pode ser prorrogado. Vou transcrever novamente o dispositivo por questões didáticas:

4 – Fica a instituição financeira autorizada a prorrogar a dívida, aos mesmos encargos financeiros pactuados no instrumento de crédito, desde que o mutuário comprove a dificuldade temporária para reembolso do crédito em razão de uma ou mais entre as situações abaixo, e que a instituição financeira ateste a necessidade de prorrogação e demonstre a capacidade de pagamento do mutuário:
a) dificuldade de comercialização dos produtos;
b) frustração de safras, por fatores adversos;
c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.

Seguindo a lógica prevista no texto do MCR, não faz sentido tentar prorrogar um crédito de comercialização com base nas situações de frustração de safra. Então, o fundamento principal será a alínea “a” (dificuldade de comercialização dos produtos) e como complemento a alínea “c”.

Nesses dispositivos deverão ser enquadrados situações como:

a) queda abrupta de preços de mercado, tornando a venda inviável para quitação;

b) suspensão de contratos de compra por terceiros (trading, cerealistas, cooperativas), de modo abrupto e que inviabilize a quitação do contrato;

c) embargos ou barreiras sanitárias nacionais ou internacionais;

d) problemas logísticos (greves, bloqueios, enchentes) etc.

Obviamente, tudo isso deverá estar devidamente comprovado em laudo técnico que confirme essas situações, como elas atingiram a capacidade financeira do produtor rural e a nova capacidade de pagamento dele.

Contratos para estocagem – FEE

Um ponto ainda a ser observado é sobre os contratos de crédito para estocagem. Eles são uma espécie do gênero “crédito para comercialização”, ou, melhor dizendo, uma das funções do crédito para comercialização é financiar as despesas com “estocagem”:

Lei 4.829/65 – Artigo 9º Para efeitos desta Lei, os financiamentos rurais caracterizam-se, segundo a finalidade, como de:
(…)
III – comercialização, quando destinados, isoladamente, ou como extensão do custeio, a cobrir despesas próprias da fase sucessiva à coleta da produção, sua estocagem, transporte ou à monetização de títulos oriundos da venda pelos produtores.

No MCR está previsto que o crédito de comercialização compreende o “financiamento especial para estocagem de produtos agropecuários (FEE)”, conforme alínea “d” do item 3.4.2.

No item mais abaixo, o 11, consta que esse crédito para estocagem tem a finalidade de que a comercialização ocorra “em melhores condições de mercado…”.

Mas quero chamar atenção para o item 12, para afastar interpretações errôneas. Vejamos a redação exata:

12 – O FEE tem como base o preço mínimo dos produtos amparados pela Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) e o preço de referência dos produtos constantes das tabelas dispostas ao final desta Seção, admitidos ágios e deságios definidos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) de acordo com o tipo e qualidade do produto. (Res CMN 4.883 art 1º)

Uma leitura apresada desse dispositivo, pode levar à conclusão de que os contratos de comercialização para estocagem, compreendidos pelo FEE, fazem parte do PGPM, e, por isso, fora da possibilidade de prorrogação com base no MCR.

Mas essa interpretação seria equivocada, porque dizer ter “como base o preço mínimo dos produtos amparados pela Política de Garantia de Preços Mínimo (PGPM)…”, não significa que o recurso esteja “sujeito a normas próprias aplicáveis” ao PGPM, como reza o item 2.6.5 do MCR.

Em outras palavras, ter como base, para liberar recursos, os preços amparados pela PGPM não significa que o contrato está sujeito às normas da PGPM.

Como já dito acima, o grande diferencial é a origem dos recursos.

Se os recursos forem oriundos do Tesouro Nacional, exemplo AGF, PEP, PROP, EGF, COV, será regido pelas normas do PGPM e, por isso, não passível de prorrogação pelo MCR.

Se os recursos forem vinculados ao Plano Safra, sejam eles equalizados, obrigatórios ou livres, com operação registrada no SICOR (Sistema de Crédito Rural), não estará sujeito as normas do PGPM e, assim, podem ser prorrogados pelo MCR.

Conclusão

Assim, diante desses cenários, os contratos de crédito de comercialização, concedidos com base no Plano Safra, independente se foram utilizados recursos com juros subsidiados, recursos obrigatórios ou recursos livres, podem ser prorrogados com base no MCR, uma vez comprovada a ocorrência de dificuldade de comercialização dos produtos que tenha afetado a capacidade de pagamento do contrato.

Sobre o Autor

Henrique Lima

  • Henrique Lima é advogado com atuação focada no atendimento a problemas jurídicos envolvendo divórcios, inventários, direito agrário, contratual, dívidas bancárias, tributário e responsabilidade civil.
  • Sócio-fundador da Lima & Pegolo Advogados Associados S/S.
  • Mestre em direito e pós graduado (lato sensu) em direito civil, constitucional, família e sucessões, consumidor e trabalhista. Autor e co-autor de livros jurídicos e também de desenvolvimento pessoal.
  • Membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.
  • Membro da Comissão de Direito do Agronegócio do Conselho Federal da OAB.
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