Como o Produtor Rural Pode Reduzir Suas Dívidas de Forma Estratégica?

7 de julho de 2025
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Os números são assustadores. Cerca de 70% dos produtores rurais possuem algum tipo de dívida. A Agência Brasil constatou que 28% dos produtores rurais brasileiros estão com dívidas em atraso, ou seja, cerca de 350 mil pessoas. Não é sem motivo que a quantidade de recuperações judiciais no agronegócio está alarmante.

Diante desse cenário, muitos produtores rurais nos questionam: qual o melhor caminho para reduzir o endividamento?

Para ser bem franco e direto, não há dúvidas de que é a Recuperação Judicial.

Contudo, é preciso cautela antes de optar por ela. Se bem manejada, pode realmente salvar o negócio, preservando o patrimônio e os empregos e mantendo os recolhimentos de tributos.

Apesar de ser tão vantajosa, em nossa atuação profissional somos cautelosos e avaliamos todas as demais opções antes de oferecê-la, para que ela, de fato, seja então a melhor recomendação para o produtor rural.

Vejamos alguns caminhos disponíveis para o produtor rural que deseja reequilibrar suas finanças e reduzir seu endividamento:

a) Renegociação

Ao buscar essa trilha, deve-se ter em mente que a instituição financeira não é obrigada a aceitar a renegociação. Ou seja, não tem obrigação de conceder descontos ou mesmo de facilitar prazos.

Na prática, a disposição da instituição financeira e, aliás, de qualquer credor, envolve uma série de fatores como, por exemplo, (1) a percepção de que o devedor, de fato, pretende honrar o novo compromisso assumido; (2) o histórico da relação entre eles; (3) a qualidade das garantias oferecidas; (4) a situação atual da safra e do mercado; (5) estar bem assessorado técnica e juridicamente; (6) risco de judicialização; (7) o tempo que a dívida já está inadimplida e (8) o comportamento recente do devedor.

Mas, além de tudo isso, por mais boa vontade que o gerente do banco ou da cooperativa tenha, em alguns casos ele simplesmente não consegue conceder tantos descontos ou condições por falta de alçada. Em certas situações, infelizmente, a diretoria opta por não facilitar tanto e a renegociação não avança.

Contudo, há casos em que de fato conseguimos boas condições, por isso, acredito que começar por esse caminho sempre é interessante. Mas, às vezes, o devedor já esgotou as chances de uma solução amigável.

b) Prorrogação/alongamento

Ao contrário da renegociação, a prorrogação é um direito do produtor rural previsto no Manual do Crédito Rural (do Banco Central e com força normativa) diante de situações de frustração de safras, dificuldade de comercialização ou outras ocorrências prejudiciais.

No capítulo 2 do MCR, seção 6, item 4 existe a expressa previsão da prorrogação, assim redigida:

4 – Fica a instituição financeira autorizada a prorrogar a dívida, aos mesmos encargos financeiros pactuados no instrumento de crédito, desde que o mutuário comprove a dificuldade temporária para reembolso do crédito em razão de uma ou mais entre as situações abaixo, e que a instituição financeira ateste a necessidade de prorrogação e demonstre a capacidade de pagamento do mutuário: (Res CMN 4.883 art. 1o; Res CMN 4.905 art. 1o)
a) dificuldade de comercialização dos produtos; (Res CMN 4.883 art. 1o)
b) frustração de safras, por fatores adversos; (Res CMN 4.883 art. 1o)
c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações. (Res CMN 4.883 art. 1o)

As instituições financeiras até tentaram emplacar a tese de que possuem a faculdade de conceder ou não a prorrogação, mas o STJ – Superior Tribunal de Justiça pacificou que é um direito por meio da Súmula 298.

O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei. (Súmula 298, STJ)

Nesse alongamento, precisamos comprovar as situações adversas, por meio de laudos e outros documentos conforme o caso específico. Então, é recomendado que, antes do vencimento da dívida, seja feito um requerimento – por escrito – perante a instituição financeira – banco ou cooperativa.

Feita a notificação da instituição financeira, algumas situações podem ocorrer:

b.1) a instituição financeira simplesmente não responder ou responder negando: nesse caso, o caminho é a judicialização do assunto;

b.2) a instituição financeira se mostrar aberta a de fato prorrogar a dívida: nesse caso precisa ver se as condições de pagamento realmente atendem a necessidade do produtor, se estão em conformidade com sua real capacidade de pagamento, inclusive mantendo as taxas de juros inicialmente contratadas;

b.3) a instituição financeira chamar para conversar e propor um novo contrato: aqui o perigo é enorme, pois será oferecido crédito a juros de “balcão”, ou seja, fora do Plano Safra e, por isso, com taxas muitas vezes exorbitantes para a realidade do campo. Sendo comum o produtor sair, por exemplo, de juros de 8% e assumir compromisso de 20% ao ano e ainda sem carência ou, no máximo, de um ano, o que costuma ser insuficiente.

Não sendo resolvido de maneira administrativa, isto é, amigável com a instituição, seja ela um banco ou uma cooperativa, restará ao produtor rural pedir à justiça a prorrogação da dívida com base no MCR (Manual do Crédito Rural) e nas provas das situações que impossibilitaram o pagamento e das condições em que consegue fazê-lo, geralmente por meio de laudo.

Perante o Poder Judiciário, é comum requerer a concessão de tutela de urgência (“liminar”) para suspender a exigibilidade da dívida e com isso evitar que o produtor seja considerado inadimplente, impossibilitando o credor de negativar seu nome ou mesmo de propor medidas judiciais para receber o crédito. Dependendo da qualidade do laudo e da plausibilidade das circunstâncias relatadas, são boas as chances de conseguir essa medida de urgência.

Mas, independente de o juiz ou o tribunal conceder ou não a tutela de urgência, o processo terá seu trâmite normal. Dependendo da discussão travada e dos pontos de divergência poderá, ou não, ocorrer perícia para confirmar se de fato aconteceram os fatos apontados como justificativa para a prorrogação. Também poderão ser ouvidas testemunhas. Ao final, haverá a sentença – e os respectivos recursos e decisões.

Durante todo o trâmite do processo poderá acontecer de a instituição financeira propor acordo para resolver a demanda. Inclusive, é algo que acontece com frequência, ou seja, o credor inicialmente se mostra indisposto a negociar, mas à medida que provas são apresentadas, processos são iniciados e o tempo vai passando, o cenário muda e eles podem mudar de postura – o que muitas vezes acontece, repito.

c) Revisão judicial dos contratos

Enquanto na renegociação e na prorrogação a redução das dívidas é um efeito colateral que várias vezes ocorre, na revisão judicial dos contratos de crédito rural o que se busca diretamente é a redução do valor das dívidas.

Há diversos motivos para buscar a revisão judicial, mas sem dúvidas que o principal está relacionado a taxas de juros excessivas.

O crédito rural possui todo um ordenamento jurídico específico, a começar pelo artigo 184 da Constituição Federal, passando pela Lei 8.171/91 (Lei Agrícola), Lei 4.829/65 até chegar no Manual do Crédito Rural estabelecido pelo Banco Central.

Isso faz com que os contratos de crédito rural sofram um dirigismo contratual intenso, mas não é sem motivo: a intenção é proteger o agronegócio brasileiro e garantir a segurança alimentar.

Inclusive, é para fugir desses regramentos mais restritos que os bancos e cooperativas fazem de tudo para que o produtor rural opte pelas CPR – Cédula de Produto Rural, pois essas possuem regramento específico e fornecem quase nenhuma proteção ao produtor, sendo benéfica apenas para os credores.

A taxa de juros máxima que pode ser cobrada dos contratos de crédito rural, sejam cédulas de crédito rural (CCR) ou cédulas de crédito bancário (CCB) é de 12% ao ano, o que já foi praticamente pacificado pelos tribunais.

CONTRATO BANCÁRIO. AÇÃO REVISIONAL. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO AFASTADA. 1. A limitação de juros remuneratórios de 12% a.a. prevista na Lei de Usura não é aplicável aos contratos bancários, salvo aqueles regidos por leis especiais, a exemplo das cédulas de crédito rural, industrial e comercial. (…) (STJ – AgRg no REsp: 1061489 MS 2008/0119023-6, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ 02/12/2008, QUARTA TURMA)

É possível buscar a revisão judicial dos contratos a qualquer tempo: no período de “normalidade” (quando a dívida não está vencida); no período de inadimplência; e até mesmo depois de já quitado o contrato.

Em todas essas fases, é possível que haja ilegalidades que podem ser questionadas. Excessos em juros remuneratórios, multas moratórias, comissão de permanência, garantias, taxas, venda casada entre outros.

A possibilidade de pedir a revisão dos contratos quitados perdura por até dez anos, segundo entendimento pacificado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça):

(…) AÇÃO DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS CUMULADA COM CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO, REPETIÇÃO DE INDÉBITO. (…) NOVAÇÃO. REVISÃO DE CONTRATO NOVADO. CABIMENTO. SÚMULA 286/STJ. (…) 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, é possível a revisão de contratos bancários extintos, novados ou quitados, de maneira a viabilizar, assim, o afastamento de eventuais ilegalidades, as quais não se convalescem, a teor da Súmula 286/STJ. (…) (AgInt no AREsp n. 1.557.005/SC, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 19/4/2024.)

Eu recomendo que isso seja feito, pois com os eventuais créditos apurados nessas revisões, é possível conseguir uma negociação bastante interessante com as instituições financeiras.

Imaginemos num contrato de custeio, feito por meio de uma cédula de crédito bancário (CDB), no qual a instituição financeira usou seus próprios recursos (consequentemente, fora do respectivo Plano Safra) cobrando juros remuneratórios de 19% ao ano, pelo prazo de 3 anos, pode ser que, por exemplo, se apure uma diferença de R$ 280.000,00 pagos a mais pelo devedor, se tivessem sido aplicados juros de 12% ao ano. Esse montante seria uma excelente moeda de troca para facilitar negociações de contratos ainda em andamento.

É certo que nem sempre o produtor rural tem em mãos todos os contratos assinados, mas isso é algo possível de conseguir, seja por meio de pedido administrativo ou mesmo judicial. Ainda que dê algum trabalho, vale a pena o esforço.

d) Defesas nos processos de execução das dívidas

Tem situações em que inicialmente o credor se mostra resistente a qualquer renegociação razoável. Em muitos casos não cabe o pedido de prorrogação porque não se enquadra nos critérios do MCR. Além disso, ingressar com pedido de revisão de cláusulas contratuais não impede as instituições financeiras de executar a dívida, caso as parcelas não sejam pagas.

Em situações como essa, o caminho é aguardar a instituição financeira agir e então fazer todas as defesas possíveis para evitar os atos de expropriação patrimonial (“pegar” os bens…).

Existem várias ferramentas de defesa como por exemplo:

– exceção de pré-executividade;

– embargos à execução;

– embargos de terceiro;

– embargos à arrematação / adjudicação / remição;

– impugnação à penhora / substituição de penhora;

– ação anulatória de arrematação ou adjudicação;

– ação de nulidade ou ação declaratória autônoma etc.



Além disso, diversas questões podem ser levantadas, como:



– nulidade do título executivo;

– ilegitimidade passiva;

– excesso de execução;

– cumprimento parcial da obrigação;

– compensação ou novação;

– prescrição;

– revisão ou nulidade de cláusulas abusivas;

– impugnação ao valor da avaliação;

– erro material no cálculo da dívida etc.

Ora, o devedor não buscará se eximir de pagar a dívida, mas sim que ela seja cobrada num valor justo e em condições que realmente consiga arcar.

Nesse caminho, quanto mais empecilhos são colocados, mais chances de o credor facilitar e abrir uma negociação.

Aliás, é de enorme relevância o tempo que a dívida permanece vencida e, preferencialmente, sem garantias efetivadas, pois quanto maior o período de inadimplência, maiores as chances de um bom acordo, especialmente porque após determinado período as instituições financeiras gozam de benefícios fiscais que facilitam em muito um bom desconto para quitação da dívida.

Vale a pena dedicar um pouco mais de tempo para entender melhor essa questão dos benefícios fiscais das instituições financeiras.

d.1) Os bancos nunca perdem: conheça seus benefícios fiscais

A Resolução 2682 do Conselho Monetário Nacional dispõe sobre critérios de classificação das operações de crédito e regras para constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa. Em seu artigo primeiro, estabelece as categorias:

Art. 1º Determinar que as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil devem classificar as operações de crédito, em ordem crescente de risco, nos seguintes níveis:
I – nível AA;
II – nível A;
III – nível B;
IV – nível C;
V – nível D;
VI – nível E;
VII – nível F;
VIII – nível G;
IX – nível H.

Já o artigo segundo estabelece vários critérios para a classificação dos créditos:

Art. 2º A classificação da operação no nível de risco correspondente é de responsabilidade da instituição detentora do crédito e deve ser efetuada com base em critérios consistentes e verificáveis, amparada por informações internas e externas, contemplando, pelo menos, os seguintes aspectos:
I – em relação ao devedor e seus garantidores:
a) situação econômico-financeira; Resolução nº 2682, de 21 de dezembro de 1999.
b) grau de endividamento;
c) capacidade de geração de resultados;
d) fluxo de caixa;
e) administração e qualidade de controles;
f) pontualidade e atrasos nos pagamentos;
g) contingências;
h) setor de atividade econômica;
i) limite de crédito;
II – em relação à operação:
a) natureza e finalidade da transação;
b) características das garantias, particularmente quanto à suficiência e liquidez;
c) valor.
Parágrafo único. A classificação das operações de crédito de titularidade de pessoas físicas deve levar em conta, também, as situações de renda e de patrimônio bem como outras informações cadastrais do devedor.

Mas além desses fatores que serão levados em conta para classificar a dívida que o cliente possui com a instituição financeira, há também o fator “tempo”, para qual estou chamando atenção.

No artigo 4º, abaixo transcrito, quanto mais tempo passa, melhores as chances de negociação, por causa dos benefícios fiscais que as instituições financeiras usufruem:

Art. 4º A classificação da operação nos níveis de risco de que trata o art. 1º deve ser revista, no mínimo:
I – mensalmente, por ocasião dos balancetes e balanços, em função de atraso verificado no pagamento de parcela de principal ou de encargos, devendo ser observado o que segue:
a) atraso entre 15 e 30 dias: risco nível B, no mínimo;
b) atraso entre 31 e 60 dias: risco nível C, no mínimo;
c) atraso entre 61 e 90 dias: risco nível D, no mínimo;
d) atraso entre 91 e 120 dias: risco nível E, no mínimo; Resolução nº 2682, de 21 de dezembro de 1999.
e) atraso entre 121 e 150 dias: risco nível F, no mínimo;
f) atraso entre 151 e 180 dias: risco nível G, no mínimo;
g) atraso superior a 180 dias: risco nível H;

Para as dívidas classificadas como nível H, segundo o inciso VIII do artigo 6º dessa mesma norma, o provisionamento deve ser de 100% do crédito. Já o artigo 7º diz o seguinte:

Art. 7º A operação classificada como de risco nível H deve ser transferida para conta de compensação, com o correspondente débito em provisão, após decorridos seis meses da sua classificação nesse nível de risco, não sendo admitido o registro em período inferior.

Isto é, seis meses no nível “H”, segundo esse artigo 7º, cumulado com a Instrução Normativa RFB n. 1.700/2017, permite-se a “baixa definitiva” como perda dedutível e, com isso, a redução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Em outras palavras, após 1 ano de atraso da dívida (180 dias para atingir classificação “H” e mais 180 dias nessa classificação), ela passa a ser reduzida na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, que cumulados representam 34%.

Ainda trocando em miúdos: os bancos e as cooperativas NUNCA perdem.

Quando os gerentes e outros funcionários dessas instituições ficam “desesperados” cobrando uma dívida e pressionando o produtor rural, é porque terão seus prêmios e remunerações variáveis reduzidas. Eles até perdem, mas os banqueiros (donos do banco) nunca!

E se a dívida não é com instituições financeiras, mas com comércio, fornecedoras de insumos e outras empresas como indústrias etc., a regra é diferente e está disciplinada na Lei 9.430/96, que após 6 meses, 1 ano ou 2 anos, dependendo do valor da dívida, ela será lançada como perda, facilitando a negociação.

Por esses e outros motivos é que vemos tantas situações em que dívidas de milhões de reais são quitadas por menos de 10% desse valor.

Assim, em determinadas situações, o que resta é esperar os bancos ou cooperativas agir e, então, partir para todas as defesas possíveis e, paralelamente, sondando as possibilidades de uma boa negociação, mas é fundamental contar com a confiança e paciência do cliente, pois ansiedade nesse caminho só prejudica.

e) Recuperação judicial

Como já adiantei, sem dúvidas que é com a Recuperação Judicial que o produtor rural consegue as melhores condições para resolver seu endividamento, mas, friso novamente, em nossa atuação, é a última das opções por conta dos efeitos colaterais no negócio e na vida particular do produtor. Como já escrevi em outros textos, há um “custo emocional”.

Já adianto que os mesmos benefícios fiscais que citei anteriormente, se aplicam aos casos de Recuperação Judicial, por força da Instrução Normativa RFB n. 2.201/2024, que estabelece que as instituições financeiras podem deduzir do lucro real e da base de cálculo da CSLL as perdas relacionadas a créditos de “operações com pessoa jurídica em processo falimentar ou em recuperação judicial, a partir da data da decretação da falência ou da concessão da recuperação judicial”.

Antes de decidir, importante observar se o cenário está propício para a Recuperação Judicial ou, melhor dizendo, para a aprovação do plano de recuperação judicial, que é um dos principais objetivos nesse procedimento.

Para decidir se vamos recomendar ao cliente esse caminho, alguns pontos são importantes:

1) quantidade de credores;
2) tipo de credores;
3) espécie das dívidas;
4) as garantias contratuais envolvidas;
5) espécies contratuais envolvidas;
6) fluxo de caixa;
7) cenário econômico específico para o cliente;
8) capacidade de ter operação lucrativa sem crédito das instituições financeiras, pelo menos por algum tempo;
9) montante da dívida x patrimônio do devedor;
10) resiliência do cliente; entre outros.

E por que a Recuperação Judicial é tão vantajosa? Por vários motivos, vou citar apenas três que reputo de suma importância.

e.1) Blindagem patrimonial imediata (stay period)

Assim que o juiz defere o processamento da recuperação judicial, ou seja, quando ele dá uma das primeiras decisões autorizando que se inicie os procedimentos da recuperação judicial, ficam suspensas todas as execuções, protestos, busca e apreensões.

Lei 11.101/2005 – Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
I – suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei;
II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;
III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.    (…)

Esse stay period é inicialmente de seis meses, mas em quase todos os casos acaba sendo prorrogado para um ano, representando grande alívio ao produtor.

Lei 11.101/2005. Art. 6º, § 4º Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal.

Como se lê acima, os bancos e demais credores não podem penhorar bens, contas ou garantias.

E as garantias relacionadas a dívidas que sejam “extra concursais”, ou seja, que não integram a recuperação judicial, também não poderão ser efetivadas se se tratar de bens essenciais à atividade rural, como propriedades rurais, tratores, maquinários, gado, insumos etc., conforme parágrafo 3º, do artigo 49, da Lei 11.101/2005:

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

Outro fator de extrema importância é a paralisação dos juros. Isso mesmo, a partir da data do ajuizamento da recuperação judicial, a dívida “para de crescer”, só isso já representa uma grande vantagem, com base no inciso II, art. 9º da Lei 11.101/2005: “II – o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial (…)” e o valor do débito depois de aprovado o plano de recuperação judicial não poderá ser acrescido dos juros contratados, mas sim daqueles que foram incluídos no plano de recuperação judicial.

 Diante da clareza do texto legal, não poderia ser diferente a interpretação do STJ: “Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a atualização do crédito habilitado no plano de soerguimento, mediante incidência de juros de mora e correção monetária, é limitada à data do pedido de recuperação judicial.” (REsp 1.936.385 – SP).

Nesse período, que geralmente é de um ano, em que fica sem pagar dívidas, sem sofrer busca e apreensão, sem aumentar o valor das dívidas por causa de juros, O Produtor Rural terá a oportunidade de “fazer caixa” para e organizar as contas para apresentar boas propostas aos credores e então sair dessa dificuldade.

e.2) Renegociação forçada com todos os credores

Nesse período em que as dívidas ficam suspensas, o devedor vai procurar os credores e tentar um consenso sobre os descontos e a forma de pagar a dívida. É comum deságios de 70%, 80% ou até mais. E carências e prazos que podem chegar a dez anos ou mais são frequentes também. Por isso, a recuperação judicial é tão vantajosa.

Além disso, existe o cram down, ou seja, a aprovação judicial forçada do plano, mesmo sem o voto favorável de todos os credores. Então, os bancos e cooperativas, que muitas vezes criam obstáculos nas negociações, podem ser obrigados a aceitar o plano de recuperação, respeitadas as regras do parágrafo 1º, do artigo 58 da Lei 11.101/2005.

e.3) Inclui dívidas fora do sistema bancário

Enquanto na renegociação, alongamento e revisão que citamos anteriormente estamos tratando apenas de dívidas com instituições financeiras, na recuperação judicial entram dívidas com tradings, revendas de insumos, trabalhistas etc.

Antes de encerrar sobre a recuperação judicial, preciso tirar uma dúvida que frequentemente os produtores têm: o Administrador Judicial nomeado pelo juiz não assumirá a administração do negócio. Muitos têm essa dúvida e descartam esse caminho por não querer “perder as rédeas do negócio”. O Administrador Judicial exigirá relatórios para acompanhar e relatar ao juiz o andamento dos trabalhos, porém não fará a administração e nem mesmo ficará fisicamente presente no negócio, apenas eventualmente para tirar alguma dúvida. Na prática, ele recebe em seu escritório os relatórios e comunica ao juiz.

Como se observa, a Recuperação Judicial fornece várias ferramentas para que o produtor rural de fato consiga equilibrar suas finanças e seguir adiante fazendo o que sabe de melhor: produzir!

Conclusão

Na prática, o produtor rural precisa “planilhar” todas as suas dívidas e analisar: quais ainda são passíveis de renegociação; em quais cabe o pedido de prorrogação do MCR; se existem juros, taxas e cláusulas abusivas para embasar pedidos de revisão; se ficar inadimplente e os credores executarem as dívidas, qual patrimônio poderá ser perdido.

Dependendo do tempo em que o produtor já está fazendo a “rolagem” das dívidas, pode ser que não tenha mais margens para negociação e não tenha mais crédito com as instituições. Dependendo dos contratos, nem a prorrogação pode ser mais possível. Dependendo das taxas de juros e das garantias oferecidas, poderá perder tudo. Então, talvez o cenário seja de fato por uma recuperação judicial.

Por isso, repito, quanto antes agir, melhor. Menos estará encurralado e mais chances de se recuperar.

Enfim, acredito que com todas essas informações o Produtor Rural consiga ter mais clareza na hora de estabelecer as estratégias que adotará para reduzir seu endividamento e, com isso, preservar seu patrimônio, seu legado, seu negócio, sua renda, gerando empregos, recolhendo tributos e contribuindo para o desenvolvimento da sociedade.

Sobre o Autor

Henrique Lima

  • Henrique Lima é advogado com atuação focada no atendimento a problemas jurídicos envolvendo divórcios, inventários, direito agrário, contratual, dívidas bancárias, tributário e responsabilidade civil.
  • Sócio-fundador da Lima & Pegolo Advogados Associados S/S.
  • Mestre em direito e pós graduado (lato sensu) em direito civil, constitucional, família e sucessões, consumidor e trabalhista. Autor e co-autor de livros jurídicos e também de desenvolvimento pessoal.
  • Membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.
  • Membro da Comissão de Direito do Agronegócio do Conselho Federal da OAB.
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