Casou com separação de bens? Fique atenta(o) a esses direitos!

27 de setembro de 2024
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Quando as pessoas se casam com separação total de bens, a ideia geral que prevalece é a de que, com o divórcio, não restará qualquer direito sobre o patrimônio conquistado durante o casamento. Porém, como demonstrarei neste artigo, essa é uma ideia errada, pois os tribunais permitem a divisão de bens entre o casal em alguns casos. Fácil não é, mas é possível.

Atualmente, tem sido muito comum adotar o regime de separação total de bens e, em muitos casos, é colocado como condição para o casamento. O cônjuge, seja ele o homem ou a mulher, mas geralmente o homem mais empreendedor tem receio de constituir família e, “se der errado”, ter que dividir o patrimônio que está adquirindo. Então, utilizam-se de holding, acordos de acionistas, pactos antenupciais e diversos outros instrumentos jurídicos, todos eles válidos, diga-se de passagem, para evitar a divisão dos bens adquiridos durante a constância do casamento.

Esse regime de separação de bens traz vantagens e desvantagens. Dentre os problemas que mais observamos estão os casos em que mulheres que se dedicam muito mais aos cuidados do lar, dos filhos e da ajuda ao marido e, por mais que exerçam alguma profissão, não conseguem fazer com a mesma intensidade que o cônjuge. Então, os maridos, por estarem totalmente dedicados à profissão ou negócio, naturalmente constroem patrimônio e as esposas nem sempre conseguem, e por isso, quando há o indesejado divórcio, ficam bastante prejudicadas.

Porém, existe um relevante direito que está no artigo 884 do Código Civil e que é conhecido como “princípio da vedação do enriquecimento sem causa”. Seu objetivo é evitar que alguém se beneficie indevidamente do esforço alheio. Em outras palavras, que alguém enriqueça injustamente.

Importante deixar bem claro que o regime de separação convencional de bens é válido e, de modo geral, após a separação, não há qualquer direito com relação a divisão do patrimônio, pois deve ser respeitada a vontade manifestada pelos cônjuges ao escolherem a separação total de bens.

Porém, a fim de corrigir injustiças, os tribunais brasileiros flexibilizam essa dura regra e permitem a divisão de bens se ficar comprovado que houve o “esforço comum” na construção do patrimônio.

Ao contrário do que ocorre no regime de comunhão parcial de bens, uma vez estabelecido o regime da separação total de bens, o esforço comum não se presume pelo fato de, por exemplo, a esposa ter cuidado do lar e dos filhos. Isso porque, essa mútua ajuda é naturalmente esperada de qualquer casamento, independente do regime de bens escolhido.

Para haver direito à participação nos bens adquiridos na constância do casamento, quando o regime escolhido é o da separação total, o critério é bem mais exigente. Precisa ficar demonstrado que de fato houve contribuição financeira ou com trabalho na aquisição do patrimônio.

Os casos mais comuns em que se reconhece o direito à participação no patrimônio, são quando os cônjuges trabalham juntos ou quando algum bem é adquirido com participação financeira dos dois.

A doutrina é bem clara quanto a essa possibilidade, citando, inclusive, como exemplo, o caso de ajuda nas atividades empresariais e frisa que deve ser robustamente comprovado esse trabalho conjunto, não sendo ele presumido.

“Por tudo isso, entendemos que na separação convencional somente se comunicam os bens adquiridos conjuntamente pelo casal, formando um condomínio, tão somente, sobre eles. Nada obsta, é claro, que sendo adquirido um bem com patrimônio comum (entenda-se, com colaboração recíproca), mas registrado somente em nome de um deles, seja reclamado o quinhão pelo cônjuge preterido, em juízo, por meio de ação in rem verso. Pode ser o exemplo de um cônjuge que se beneficia do esforço do outro para exercício de sua atividade empresarial. Havendo, pois, colaboração para a aquisição patrimonial, justifica-se a divisão dos bens adquiridos com esse esforço comum, se provada a contribuição, com vistas a evitar um enriquecimento sem causa, proibido pelo Código Civil (arts. 884-885). (…). Em tais hipóteses, vale pontuar, o ônus de prova será de quem alega, devendo o cônjuge interessado provar a sua contribuição direta para a aquisição ou melhoramento do bem, afinal não se pode presumir o esforço reciproco pelo simples fato de serem casados, uma vez que, elegeram o regime separatório.” (Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Curso de Direito Civil (vol. 6), editora Atlas, 7ª ed., São Paulo; 2015, pag. 336) (g.d.m.)

Para elucidar melhor a questão, transcrevo algumas decisões nesse sentido. Observe que são decisões confirmadas pelo Superior Tribunal de Justiça.

01)

(…) Além disso, como muito bem exposto pelo ilustre Procurador de Justiça, Geraldo Félix de Lima, “no caso em exame o apelado é empresário, e que após o casamento, a apelante passou a trabalhar em tempo integral na empresa daquele (veja-se fls. 224 a 226) exercendo várias funções, inclusive de gerência, e que no mesmo período a empresa floresceu e o casal amealhou considerável patrimônio. Portanto, nos termos do enunciado da Súmula 377, do C. Supremo Tribunal Federal, devem ser partilhados”. (…) (STJ – AgInt no REsp: 1765007 SP 2018/0047961-1, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 29/03/2021, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/04/2021)

02)

” (…) Nesse particular, entendo que a segunda apelante fez prova de sua contribuição para a aquisição dos bens comuns, como evidenciado no depoimento do pai do requerido, ouvido na qualidade de informante: ‘(…) que I. trabalhou um período na empresa (xxx), não sabendo qual período, isto durante 01 ano a 02 anos, e depois ela passou a fabricar bombons e vendia e na concepção do depoente L ajudou diretamente L. a adquirir seu patrimô nio. Que L e L. casaram pelo regime de separação de bens, isto por exigência de L., pois procura ele exercer uma força sobre o seu oponente. (…) Que L., quando trabalhava na (xxx), exercia a função de secretária, bem como trabalhava no departamento pessoal.’ (f. 265) Assim, forçoso concluir que deve ser assegurado o direito à partilha dos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, assim como as quotas societárias e saldos constantes das contas bancárias até a data da separação do casal, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença. Ressalva-se a possibilidade de exclusão, da meação, daqueles adquiridos com esforço exclusivo do requerido.”Conforme destacado pela Corte de origem, o próprio pai do requerido, ouvido na qualidade de informante, confirma o emprego de esforço comum pelos ex-cônjuges para a formação do patrimônio comum. Logo, à falta de cláusula de exclusão de comunicabilidade desses bens no pacto antenupcial, era mesmo de rigor a decretação da partilha, conforme constou do acórdão recorrido. A decisão, nesse ponto, encontra-se em conformidade com o entendimento desta Corte (Súmula 83, STJ) (…)” (STJ – REsp: 1618278 MG 2016/0205509-1, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 17/02/2023)

03)

CIVIL E PROCESSUAL. INVENTÁRIO. PARTILHA DE BENS. REGIME VOLUNTÁRIO DE CASAMENTO. SEPARAÇÃO DE BENS. PACTO ANTENUPCIAL. IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DO DE CUJUS ADQUIRIDO MEDIANTE PERMUTA DE PATRIMÔNIO (CABEÇAS DE GADO) FORMADO PELO ESFORÇO COMUM DO CASAL. SOCIEDADE DE FATO SOBRE O BEM. DIREITO À MEAÇÃO RECONHECIDO. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. I. O regime jurídico da separação de bens voluntariamente estabelecido é imutável e deve ser observado, admitindo-se, todavia, excepcionalmente, a participação patrimonial de um cônjuge sobre bem do outro, se efetivamente demonstrada, de modo concreto, a aquisição patrimonial pelo esforço comum, caso dos autos, em que uma das fazendas foi comprada mediante permuta com cabeças de gado que pertenciam ao casal. II. Impossibilidade de revisão fática, ante o óbice da Súmula n. 7 do STJ. III. Recurso especial não conhecido. ( REsp n. 286.514/SP , Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 2/8/2007, DJ 22/10/2007, p. 276.)

Muitas decisões ressaltam a questão de no pacto antenupcial, além de prever a separação total de bens, haver ou não cláusula expressa que indique a vontade do casal de não haver interesse em construir patrimônio com esforço comum. Se há cláusula nesse sentido, a dificuldade é ainda maior. Apesar de que, tudo pode ser questionado, diante da realidade dos fatos.

Vejamos uma decisão que aborda expressamente essa cláusula.

“(…) De fato, a regra, no regime de separação convencional ou total, é que os bens não se comunicam. Provado, entretanto, esforço comum, nasce ao cônjuge preterido uma pretensão restitutória, fundada na vedação do enriquecimento sem causa (art. 884, do CC). Ou seja: imagine-se um casal que contraiu matrimônio na separação convencional de bens. Durante o casamento, a esposa contribui para a aquisição de um apartamento. O apartamento foi registrado apenas no nome do esposo. Mas a esposa comprova que efetivamente forneceu esforço comum para sua aquisição. Nesse caso, operou-se uma sociedade de fato ou em comum, com direito a uma pretensão restitutória, fundada na vedação ao enriquecimento sem causa. Ocorre que, mesmo que a esposa fosse uma terceira estranha, teria direito à restituição de sua efetiva contribuição para a aquisição do apartamento. No regime de separação de bens, se não há previsão expressa de exclusão no pacto antenupcial, o tratamento deve ser o mesmo. É a posição do STJ. Dito de outra maneira: a regra é a não comunicabilidade de bens na separação convencional. Comprovado, porém, O ESFORÇO COMUM E A FALTA DE PREVISÃO EXPRESSA DE EXCLUSÃO NO PACTO ANTENUPCIAL, o STJ possui entendimento de que se comunicam os bens provenientes de esforço comum efetivamente comprovado (…) (STJ – REsp: 1618278 MG 2016/0205509-1, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 17/02/2023)

Registro que muitas decisões negam esse direito por entenderem que não houve prova suficiente do “esforço comum”.

Vejamos um caso em que a mulher abdicou de sua profissão para cuidar dos filhos, da casa e ajudar o marido com algumas tarefas do escritório, mas sem de fato trabalhar lá no local, isto é, sem contribuir diretamente para o aumento da riqueza:

(…) a mera existência de conta conjunta entre as partes não induz, por si só, à conclusão de existência de esforço comum para aquisição dos bens, já que o esforço comum, e a comunicabilidade dos bens, não se presumem, devendo ser comprovados. Ainda que a conta fosse conjunta necessário que a ré comprovasse que ela foi abastecida com valores que lhe pertenciam, ou foram por ela obtidos com seu esforço. No entanto, é a própria ré quem reconhece, em sua contestação, que “por decisão conjunta do casal, durante a gravidez da segunda filha, a ré passou a se dedicar integral e exclusivamente à família e à educação dos filhos. Inclusive, vale destacar que, para que o autor reconvindo pudesse se concentrar integralmente no seu trabalho e desenvolvimento profissional, a ré reconvinte, além de ficar responsável pela administração da casa e dos filhos, também ajudava o autor reconvindo em diversos assuntos pessoais, seja com relação à compra de presentes par ‘amigo secreto do escritório, agendamento de consultas, etc. Ou seja, há anos a ré se dedicou exclusivamente a cuidar da família e dos afazeres domésticos, enquanto o autor crescia dentro do seu escritório de advocacia” (fls. 49/50). Mas, como já ressaltado no parágrafo anterior, no regime da separação absoluta de bens, esse tipo de atividade, relacionamento ao cumprimento dos deveres do consórcio, não configura o esforço comum, a justificar a partilha de bens, que depende de comprovação de contribuição direta, material ou com trabalho (…) (TJ-SP – AC: 10021641420208260100 SP 1002164-14.2020.8.26.0100, Relator: Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Data de Julgamento: 06/04/2021, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/04/2021)

Por isso é que algumas decisões judiciais afirmam que deve haver uma “sociedade de fato” naquela atividade empresarial, na qual ambos os cônjuges trabalhem como se de fato sócios fossem e não uma mera ajuda casual e esporádica.

Esse mesmo entendimento pode ser aplicado à mulher que durante todo o período do casamento trabalhou com o marido na empresa por ele herdada ou recebida por doação familiar, ajudando-o a superar os momentos de crise financeira da empresa e trabalhando para a manutenção e crescimento do negócio e do patrimônio do marido.

Registro, finalmente, que todas essas considerações valem também para as uniões estáveis que são formalizadas adotando o regime de separação total de bens. Por outro lado, para a separação obrigatória de bens, estabelecida para aqueles que possuem mais de 70 anos de idade, existe uma dinâmica diferente, por não se tratar de uma opção do casal, mas uma imposição da lei. Tratarei em outra oportunidade sobre esse tema especificamente.

Espero ter colaborado com informações úteis para as pessoas que escolheram se casar pelo regime da separação total de bens e que inicialmente acreditaram que cada um teria uma vida profissional separada, porém, pela dinâmica da vida, acabaram trabalhando e construindo patrimônio juntos e acreditando na eternidade da aliança formada, não tomaram o cuidado de pedir a alteração no regime de bens durante o relacionamento. Entretanto, com o término do casamento, uma das partes ficou bastante prejudicada, por ter dedicado importante parte de sua vida e de sua energia em benefício exclusivo do outro.

Assim, apesar de ser um direito difícil de conquistar, por exigir robusta prova de que houve o esforço comum na construção do patrimônio, ainda assim é uma importante saída para corrigir injustiças.

Sobre o Autor

Henrique Lima

  • Henrique Lima é advogado com atuação focada no atendimento a problemas jurídicos envolvendo divórcios, inventários, direito agrário, contratual, dívidas bancárias, tributário e responsabilidade civil.
  • Sócio-fundador da Lima & Pegolo Advogados Associados S/S.
  • Mestre em direito e pós graduado (lato sensu) em direito civil, constitucional, família e sucessões, consumidor e trabalhista. Autor e co-autor de livros jurídicos e também de desenvolvimento pessoal.
  • Membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.
  • Membro da Comissão de Direito do Agronegócio do Conselho Federal da OAB.
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