Capitalização de juros no crédito rural: o que todo produtor precisa saber para não ser prejudicado

26 de março de 2025
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A “capitalização” ocorre quando os juros vencidos e não pagos são incorporados à dívida principal, ocorrendo aquilo que chamamos de “juros sobre juros”.

Imagine a situação de uma dívida de R$ 1.000,00 com juros de 10% (R$ 100,00), se esses não forem pagos, no mês seguinte os juros serão calculados sobre R$ 1.100,00 (1.000 do principal e 100 dos juros não pagos), de modo que no mês sequente a dívida estará em R$ 1.210,00 ao invés de R$ 1.200,00.

Parece pouca a diferença se considerarmos apenas um mês, porém, com o decorrer do tempo ela se torna considerável e dificulta ainda mais a vida do devedor, principalmente considerando que as dívidas rurais geralmente são de valores elevados.

Mas o aspecto mais importante dessa discussão é a possibilidade de afastar a mora e seus nefastos efeitos, conforme abordaremos.

Feitas essas breves considerações, vamos abordar a questão da capitalização dos juros remuneratórios (do período de normalidade do contrato) especificamente dentro do crédito rural.

Apesar do debate que existe, a jurisprudência majoritária entende que os juros remuneratórios podem ser capitalizados mensalmente desde que exista previsão contratual prevendo isso.

Isso porque, o artigo 5º do Decreto-Lei 167/67 diz que “…podendo o financiador, nas datas previstas, capitalizar tais encargos”. Datas previstas onde? No contrato. Vejamos a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:

(…) As cédulas de crédito rural, comercial e industrial admitem a capitalização dos juros em periodicidade mensal, quando pactuada. (…) (STJ – AgRg no REsp: 684492 RS 2004/0122745-0, Relator.: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 17/03/2011, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/03/2011)

A súmula 93 do Superior Tribunal de Justiça é no mesmo sentido:

A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros. (Súmula 93, STJ)

E se nada estiver previsto no contrato? Nesse caso parte da jurisprudência afirma que a capitalização permitida é apenas anual e outra parte permite que seja semestral. Conforme se observa da ementa abaixo:

(…) De acordo com o art. 5º, caput, do Decreto-Lei 167/67, em setratando de cédula de crédito rural, a capitalização dos juros pode ser semestral, independentemente de pactuação expressa. Precedentes. (…) (STJ – AgRg no REsp: 1108049 GO 2008/0276408-8, Relator.: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 14/06/2011, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/06/2011)

(…) No presente caso, a cédula de crédito rural prevê a capitalização dos juros em periodicidade diária, modalidade reputada como abusiva, desse modo essa capitalização dos juros deverá seguir a periodicidade anual, pois ausente contratação expressa de capitalização na periodicidade semestral ou mensal. (TJ-MT – APELAÇÃO CÍVEL: 0015624-27.2016.8 .11.0041, Relator.: SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Data de Julgamento: 04/12/2019, Vice-Presidência, Data de Publicação: 18/06/2020)

Em outras palavras, se nada estiver escrito no contrato, parte da jurisprudência, inclusive do STJ, entende que as instituições financeiras podem capitalizar semestralmente os juros, mas há decisões que só permitem a capitalização anual. Porém, se houver previsão expressa, podem fazê-lo em periodicidade mensal.

Vale considerar que apesar de a legislação dar essa possibilidade, ela encontra limites na boa fé e na função social do contrato. Por isso é que a capitalização diária dos juros costuma ser considerada abusiva, mesmo havendo previsão em contrato. Vejamos:

(…) Acarreta onerosidade excessiva a previsão de capitalização diária de juros, causando desequilíbrio na relação jurídica. 3. Afastada a cláusula que permitia capitalização diária de juros, fica o contrato sem previsão de periodicidade da capitalização. Assim, de se admitir apenas a capitalização anual, legalmente prevista (art. 591, CC), não cabendo interpretação extensiva do contrato. (…) (TJ-SP – AC: 00050186220108260483 SP 0005018-62.2010.8 .26.0483, Relator.: Melo Colombi, Data de Julgamento: 28/03/2012, 14ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/04/2012)

Portanto, havendo previsão contratual, os juros do período da normalidade, isto é, os juros remuneratórios (não os moratórios) podem ser capitalizados mensalmente. Já a capitalização diária, costuma ser afastada por implicar em onerosidade excessiva ao devedor. E se nada estiver escrito no contrato, então a jurisprudência se divide entre a possibilidade da capitalização semestral e anual.

Mas, independente do quanto isso representa no valor da dívida, quero chamar atenção para um aspecto de fundamental relevância que é a possibilidade de afastar os efeitos da mora, ou seja, da inadimplência se forem constatadas ilegalidades no período de normalidade do contrato, isto é, antes de configurar o inadimplemento.

E afastar os efeitos da mora é de grande importância, porque além de afastar multas e outros encargos moratórios ainda configura importante instrumento de defesa do devedor em pedidos de busca e apreensão ou mesmo em questionar a legalidade da consolidação das garantias em favor do credor.

Vejamos o que dizem os tribunais, inclusive do STJ:

ORIENTAÇÃO 2 – CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual.(…) (STJ – REsp: 1061530 RS 2008/0119992-4, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 22/10/2008, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 10/03/2009 RSSTJ vol . 34 p. 216 RSSTJ vol. 35 p. 48)

(…) DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA – POSSIBILIDADE – ENTENDIMENTO CONSOLIDADO DO STJ – O RECONHECIMENTO DE ABUSIVIDADE DOS ENCARGOS EXIGIDOS NO PERÍODO DA NORMALIDADE IMPLICA NO AFASTAMENTO DA MORA (…). (TJ-PR 00021221920238160079 Dois Vizinhos, Relator.: Marco Antonio Massaneiro, Data de Julgamento: 22/07/2024, 16ª Câmara Cível, Data de Publicação: 22/07/2024)

(…) Descaracterização da mora, em virtude da incidência de encargos abusivos no período da normalidade contratual – “O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora” – Orientação firmada pelo STJ, no julgamento do REsp 1 .061.530/RS, sob o rito dos recursos repetitivos – Impossibilidade de cobrança de encargos moratórios (…). (TJ-SP – Apelação Cível: 1000602-77.2022 .8.26.0268 Itapecerica da Serra, Relator.: Plinio Novaes de Andrade Júnior, Data de Julgamento: 14/02/2023, 24ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/02/2023)

Importante observar que o recurso especial que citei acima foi julgado pelo STJ em sede de recurso repetitivo, cristalizado no Tema 28, vinculando os tribunais estaduais, em prestígio ao princípio inserido no artigo 926 do CPC: “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.”.

Ratifico que a abusividade deve ser verificada no período da normalidade do contrato, então se a ilegalidade estiver nos encargos moratórios (multas, comissão de permanência, juros moratórios etc.) não haverá descaracterização da mora. Isso precisa ficar muito claro.

Uma vez descaracterizada a mora, quais os efeitos? O próprio Superior Tribunal de Justiça responde no mesmo voto do julgamento do Tema 28:

Verificada a cobrança de encargo abusivo no período da normalidade contratual, resta descaracterizada a mora do devedor.

Afastada a mora:

  1. É ilegal o envio de dados do consumidor para quaisquer cadastros de inadimplência;
  2. Deve o consumidor permanecer na posse do bem alienado fiduciariamente e
  3. Não se admite o protesto do título representativo da dívida.

(RESP 1061530 RS, STJ)

Além, é óbvio, de não serem devidos os encargos moratórios, uma vez que não há mora imputável ao devedor.

Enfim, espero ter trazido conhecimento útil para todos aqueles que estão enfrentando dificuldades financeiras e, se estiverem sofrendo com capitalização abusiva dos juros, saibam da possibilidade de afastar isso e, dessa forma, além de diminuir o montante da dívida, ainda descaracterizar a mora, com os efeitos que abordei acima.

Sobre o Autor

Henrique Lima

  • Henrique Lima é advogado com atuação focada no atendimento a problemas jurídicos envolvendo divórcios, inventários, direito agrário, contratual, dívidas bancárias, tributário e responsabilidade civil.
  • Sócio-fundador da Lima & Pegolo Advogados Associados S/S.
  • Mestre em direito e pós graduado (lato sensu) em direito civil, constitucional, família e sucessões, consumidor e trabalhista. Autor e co-autor de livros jurídicos e também de desenvolvimento pessoal.
  • Membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.
  • Membro da Comissão de Direito do Agronegócio do Conselho Federal da OAB.
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